O fim do tempo dos radicais
Por estes dias, quem leia o Partido Comunista Português, a ala radical e trumpista do Partido Republicano, o brevemente ministro das finanças grego Varoufakis, o libertário Cato Institute ou a insana Maria Vieira, encontrará enormes semelhanças e coincidências. Para os mais novos, a surpresa pode ser justificada. Para quem se lembra do mundo na década de 90, pelo menos, não há porque estar surpreendido. Estão onde seria de esperar que estivessem. Contra o mundo global, a expansão da democracia liberal e a ideia ocidental de pluralismo. Exatamente o que está em causa na invasão russa da Ucrânia. Pelo menos em grande parte.
A direita radical americana detesta tanto o modelo americano quanto os mais anti-americanistas. Muitos não saberão quem é e o que foi Pat Buchanan, mas é ele que os inspira. Um eterno derrotado no Partido Republicano que se definiu por ser contra o papel dos Estados Unidos na política internacional, contra as grandes empresas da economia americana, contra a imigração e, fundamentalmente, contra tudo o que fosse uma América não profundamente conservadora e, sobretudo, que aceitasse mudar. Ele, e eles, só gostam de uma versão da América. A sua. Os anti-americanos em geral e os comunistas em particular não discordarão de grande parte dos pressupostos desta visão sobre os Estados Unidos.
Do outro lado estão todos os que tiveram que se redefinir após a queda do Muro de Berlim. Alguns, exposta a miséria do modelo comunista soviético e o desejo de fuga dos povos a ele submetidos, converteram-se genuinamente. Outros, descobriram na União Europeia o refúgio para o seu anti-americanismo. A defesa da Europa era, também, a defesa de uma alternativa à América. A Europa, quanto mais integrada e autónoma, menos americana e ocidental seria. Por estes dias, sentem-se perdidos. A luta da Ucrânia, além de uma luta fundamental pelo direito a existir é, também, a escolha do modelo Ocidental que tanto integra a União Europeia como a NATO. E, portanto, é-lhes intolerável. Mesmo que alguns não o confessem.
E, claro, há os que foram sempre transparentes, mesmo que alguns se recusassem a vê-lo. O que os levava a detestar a Europa, a NATO, a economia global e a ter simpatia por regimes autoritários de esquerda não eram resquícios exóticos do passado, eram os seus fundamentais. O equívoco quanto a isso é o que explica a confusão dos últimos anos. E parte do sucesso da radicalização do espaço público.
Num mundo em que o modelo prevalente não tinha alternativa, foram-se confundindo críticas ao sistema com críticas aos fundamentos do sistema. Por isso, à esquerda houve quem achasse que estava mais próximo dos críticos do sistema, fossem eles quem fossem. O mesmo à direita. Quanto mais se focava no que dizia a esquerda radical, mais alguma direita acreditava que a guerra cultural era entre toda a esquerda e toda a direita e que, portanto, todos os que estivessem "do lado de cá" contavam. Nunca perceberam, ou perceberam mas não quiseram saber, que a coincidência era pontual. No essencial, os radicais de direita e a maioria da direita e do centro-direita não pensam da mesma maneira. Limitam-se a ter adversários comuns. O erro tem sido achar que isso é o mais importante. Não é.
Esta guerra tem exposto a verdadeira grande divergência. Não é entre esquerda e direita. Essa é a grande oposição dentro de um sistema em que aceitamos as regras e a legitimidade do adversário. A grande divergência é entre os que aceitamos este sistema e os que até podem coincidir connosco em algumas opiniões, mas recusam o fundamental do sistema: a legitimidade do outro. Se tivermos percebido isso já ganhámos alguma coisa.
Consultor em assuntos europeus