O fim do fim da História na Europa

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Um capitão da Marinha italiana detido quando passava informação confidencial a dois russos.

Concentração de tropas e manobras militares russas junto à Ucrânia. Notícias regulares de passagens da força aérea russa pelo espaço aéreo de países europeus. Um dirigente da oposição envenenado, preso e sujeito a maus-tratos. E a lista podia prosseguir.

Estamos em 2021 e há quem ache que parece que voltámos aos tempos da Guerra Fria. Não parece.
Enquanto isto acontece, o segundo gasoduto que ligará a Rússia à Alemanha vai avançando, e alemães e franceses, perante as movimentações militares, embora reconheçam a soberania ucraniana, pedem a ambas as partes que se contenham.

Ao mesmo tempo, a Turquia, que era um regime esporadicamente democrático e permanente aliado, agora é um vizinho a distanciar-se, com ambições de influência regional e respeito residual, se tanto, pelas regras da democracia e do Estado de direito.

No tempo da Guerra Fria, o mundo era perigoso, mas razoavelmente previsível. E os aliados, mesmo que nem sempre fossem recomendáveis, também.

Nos anos seguintes, entre o final do século passado e o começo deste, a Europa convenceu-se de que o mundo ia ser um lugar melhor e, sobretudo, mais fácil. A tese de que a União Europeia seria uma potência normativa, uma boa influência para o mundo, em geral, e para a região, em particular, fez escola. Foi o tempo em que Romano Prodi anunciou que o objetivo da União Europeia era ter à sua volta "um círculo de amigos", eventualmente subsidiado por fundos europeus. Estamos em 2021 e não é nada disso que se passa.

A sudeste, a Turquia é um problema que a União Europeia irá disfarçar até ao limite. Por causa da pressão migratória, das comunidades turcas na Europa e porque uma conflitualidade assumida só pode aumentar as tensões e reduzir o espaço para o diálogo que é indispensável.

Com a Rússia, o problema é muito mais sério. O confronto é manifesto, e a provocação - para ser eufemístico - é constante e em escalada.

Acontece que o risco é percebido de maneira muito diferente pela Europa fora, por norma dependendo mais da proximidade e da História do que outra coisa qualquer. E há quem - governos - esteja muito disponível para flirtar com Putin, seja para manter abertas mais hipóteses dentro e fora da União Europeia, seja por estratégia, seja por razões comerciais.

Há explicações evidentes para o que se passa, mas o que se seguirá não é assim tão óbvio. A Europa deixou de estar sob a proteção americana. A Europa não acredita - e muito menos está preparada - para ter de se defender ou de proteger a vizinhança. E há Estados europeus que acreditam que é possível, desejável e frutífero ser proclamatório nos valores e inconsequente nas ações. Ou que isso é tudo o que se pode ser.

O problema é que, não sendo virtuoso, não parece ser evidente que quem não tem exércitos nem disponibilidade para combater ou ajudar quem combate tenha muito mais alternativas.
Entre o final do século passado e o começo deste, a Europa passou de suposta potência normativa à convicção de que é uma potência comercial e, consequentemente, que o comércio é o seu critério e a sua arma. A Europa geopolítica é isso.

O (nosso) maior erro do final do século passado foi achar que um mundo multipolar não seria competitivo e antagonístico. O (nosso) maior erro agora é pensar que se pode fingir que não é.
O maior problema da (falta de) política externa da União Europeia não são as decisões por unanimidade ou a falta de um exército comum, é esta ingenuidade contra toda a História.

Consultor em assuntos europeus.

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