O excesso de burocracia e os riscos da desregulação apressada
A União Europeia quer acelerar o progresso face aos seus concorrentes. A “Bússola para a Competitividade”, anunciada por Ursula von der Leyen e inspirada no relatório de Mario Draghi, propõe um “choque de simplificação” para modernizar a economia, reduzir a burocracia e atrair investimento. No entanto, há um equilíbrio delicado entre a eficiência e a proteção. A pressa não pode significar o desmantelamento de garantias que sustentam o nosso modelo europeu, pois seria como “deitar fora o bebé com a água do banho”.
Esta tendência não acontece por acaso, pois com Donald Trump novamente no poder e Elon Musk a defender um mundo sem controlos estatais, a vaga da desregulação que vem dos EUA já está a chegar à Europa. Trump avança com a revogação de normas ambientais e laborais nos EUA e ameaça a Europa com tarifas, enquanto Musk propõe um mercado sem restrições regulatórias. Essa ideologia de “livre mercado absoluto” pressiona Bruxelas a relaxar regras para competir globalmente. Mas será esse o caminho certo?
O Parlamento Europeu aprovou nos últimos cinco anos o dobro das leis aprovadas pelos EUA e a burocracia é frequentemente vista como um entrave ao crescimento. Regulamentos extensos, processos morosos e cargas administrativas dificultam a competitividade. No entanto, muitas dessas normas protegem o meio ambiente, garantem direitos laborais, asseguram a segurança alimentar e evitam abusos económicos. Uma simplificação excessiva e descontrolada transformaria um avanço civilizacional num retrocesso perigoso.
A digitalização pode ser a chave para acelerar os processos sem comprometer as garantias. A interoperabilidade, a partilha de dados e a automação de trâmites administrativos permitem eliminar redundâncias e aumentar a eficiência sem sacrificar direitos fundamentais. A IoT (internet das coisas na sua sigla inglesa) já permite a monitorização ambiental e a segurança alimentar em tempo real, garantindo a efetividade inspetiva e a conformidade automática com os regulamentos.
A transição energética não deve ser vista como um obstáculo, mas sim, como um motor de competitividade global. Retirar a regulação para “facilitar negócios” pode comprometer os avanços na sustentabilidade e enfraquecer o papel da UE na inovação verde.
Bruxelas quer agir depressa, pressionada pela concorrência global. Tanto os EUA como a China investem milhares de milhões na sua indústria e tecnologia e a Europa precisa de os acompanhar. No entanto, sem novos fundos robustos, o plano pode ser apenas um exercício de ficção política sem impacto real. Criar estratégias sem financiamento suficiente pode deixar a UE ainda mais vulnerável.
Sem dúvida que é preciso acabar com a “má burocracia”, que só atrapalha, apela à corrupção e não acrescenta qualquer valor, mas é fundamental salvaguardar a “boa burocracia” que nos protege, acelerando-a com instrumentos de governação eletrónica em tempo real, sempre que possível, através da desmaterialização e da desintermediação dos vários processos regulatórios.
O desafio é encontrar o equilíbrio entre simplificação e segurança, rapidez e responsabilidade. A burocracia não deve sufocar a inovação, mas a pressa também não pode comprometer a proteção coletiva. Cortar a burocracia é fácil, contudo, garantir que esse corte não prejudica o bem-estar europeu é a verdadeira arte da governação e, em particular, da governação eletrónica.
Especialista em governação eletrónica