O ex-Ministro da Defesa Nacional e o estranho caso do Hospital Militar de Belém
Em 2013, o Hospital Militar de Belém (HMB) foi extinto pelo governo da altura, através de um processo, dito de reforma do Sistema de Saúde Militar, mal desenhado e pior implementado, com total desrespeito pelos seus profissionais de saúde, e pelos utentes que ali eram seguidos e tratados, e que se viram confrontados com o caos organizacional resultante da fusão dos hospitais dos Ramos no denominado Hospital das Forças Armadas, manifestamente impreparado para responder às necessidades assistenciais de saúde da Família Militar.
Em 2020, com o advento da pandemia de covid-19, veio reconhecer-se, de forma inequívoca, o erro do encerramento daquela Unidade de Saúde do Exército, vocacionada de raiz para o tratamento de doenças infetocontagiosas, detentora de estruturas funcional e organizacional levantadas para o efeito, e com um reconhecido capital de conhecimento clínico naquelas áreas de intervenção, imprudentemente desbaratado por mero jogo de interesses político-partidários.
Porque os erros podem acontecer, não devendo, no entanto, repetir-se, de referir que num período de grandes dificuldades no combate à pandemia de covid-19, e com as estruturas do SNS severamente pressionadas, um conjunto de individualidades oriundas de vários quadrantes da sociedade civil endereçaram um documento ao primeiro-ministro, solicitando que este pudesse diligenciar no sentido da recuperação do HMB, das suas capacidades e competências clínicas, no sentido do reforço da Saúde Pública e do bem-estar dos portugueses.
"Com a divulgação dos resultados da operação da Polícia Judiciária sobre os contornos do levantamento do CAM, parece ter-se feito, finalmente, luz sobre a alegada fraude que terá estado na base do custo da obra."
Apesar de apontarem, como reforço da sua iniciativa, para a elevada probabilidade do aparecimento de novos agentes infecciosos, da ocorrência de novos surtos epidémicos, bem como do ressurgimento de doenças consideradas em vias de extinção, fatores que deveriam constituir-se como decisivos para a recuperação de uma unidade hospitalar daquela natureza, não mereceram, os signatários, qualquer resposta por parte do chefe do governo, num sinal evidente de desconsideração para com os mesmos, bem como por uma manifesta falta de interesse relativamente à matéria em causa.
Entretanto, meses mais tarde, o governo anunciava a intenção de reabrir o HMB, mas exclusivamente para a instalação de 150 camas para doentes covid em convalescença/recuperação, num denominado CAM (Centro de Apoio Militar), com um orçamento para obras fixado em 750 000 euros.
Para trás, tinham ficado todos os argumentos presentes na proposta enviada ao chefe do governo, meses antes, com vista à recuperação do HMB, não como simples depósito de retaguarda hospitalar, mas como uma estrutura de Saúde que se pudesse situar na linha da frente no combate às ameaças bacterianas e virais, numa prestação suplementar do SNS.
Entretanto o tempo foi decorrendo, a obra arrastou-se, os utentes para recuperação tardaram em chegar, e o seu número foi diminuto, enquanto começaram a surgir as notícias de que o orçamento inicial fixado em 750 000 euros tinha sido largamente ultrapassado para valores da ordem dos 3,2 milhões de euros, ou seja cerca de cinco vezes mais...
Na realidade, para tão vistosa operação mediática, aquando do lançamento da obra, e para tão elevado dispêndio das verbas do Orçamento do Estado, a par do desgaste dos profissionais de saúde desviados para o efeito, havia algo que teria corrido mal, seguramente, para um resultado deveras exíguo, no final.
Entretanto, estando o CAM encerrado há mais de um ano, sem qualquer utilização, torna-se imperioso questionar a razão pela qual o governo continua a ignorar as propostas feitas para a recuperação do HMB, num claro desperdício de 3,2 milhões de euros do erário público, já investidos.
Chegados aos dias de hoje, com a divulgação dos resultados da operação da Polícia Judiciária (PJ) sobre os contornos do levantamento do CAM, parece ter-se feito, finalmente, luz sobre a alegada fraude que terá estado na base do custo da obra, bem como sobre a responsabilidade dos respetivos intervenientes, nomeadamente do ex-diretor geral de recursos do MDN, como entidade responsável pela coordenação e desenvolvimento do projeto.
Estando o processo de investigação a decorrer, perfilam-se, então, questões que importaria esclarecer:
1. Quando foram levantados pela comunicação social os primeiros indícios da significativa derrapagem do custo final da obra, que disse o ex-MDN sobre o caso?
Alegadamente, terá afirmado que a valorização da estrutura levantada seria tida em conta no futuro, que não teria havido derrapagem, e que se tratava de dinheiro que não se perderia...
2. Quando, mais tarde, supostamente pressionado pelos sinais evidentes de uma conduta irregular e fraudulenta na condução do processo, se sentiu obrigado a dispensar os serviços do seu diretor-geral de recursos, que ação tomou o ex MDN seguidamente?
Surpreendentemente, premiou a atuação daquele dirigente, nomeando-o presidente da ETI-Empordef Tecnologias de Informação, sem previamente ter ordenado qualquer processo de inquérito à situação ocorrida, nem tão pouco ter aguardado pelos resultados duma auditoria do TdC, relativa ao processo.
3. Quando presente no debate parlamentar, na Assembleia da República, sobre os alegados casos de corrupção no Ministério da Defesa Nacional, para esclarecimento da situação, que afirmou o ex-MDN perante os deputados?
Teceu os maiores encómios à atuação do diretor-geral de recursos, em termos do rigor e da qualidade do trabalho por ele desenvolvido, nada adiantando sobre as suspeitas dos fortes indícios de corrupção que pairavam sobre a condução e o pagamento das obras.
4. Finalmente, já depois de divulgados os dados iniciais das investigações da PJ, apontando para um conjunto de irregularidades, com fortes suspeitas de atividade criminosa, que do antecedente já viria acontecendo, no âmbito da direção-geral do Ministério da Defesa, que disse o ex MDN?
Simplesmente, afirmou que não teria tido qualquer conhecimento, até à altura, sobre as suspeitas que estavam na base da investigação, nem sobre os graves indícios de corrupção que pendiam sobre a conduta do seu ex-diretor-geral e dos seus colaboradores mais diretos.
Perante a vagueza das respostas do ex-MDN, divulgadas pela comunicação social, tornava-se imperioso, então, o seu cabal esclarecimento sobre como acompanhou e dirigiu politicamente este dossier, e como pode interpretar as dúvidas que, muito cedo, se começavam a levantar sobre a execução orçamental do mesmo.
O seu secretário de estado e o diretor de recursos que acompanharam diretamente a intervenção no HMB não o mantiveram ao corrente da evolução dos trabalhos, e do deslizar dos custos que iam decorrendo?
Não despachavam com ele, de forma regular, os assuntos do âmbito do ministério, onde este assunto ocuparia, naturalmente, um lugar de destaque, até pela urgência e importância colocada, quando do anúncio da intervenção pelo próprio primeiro-ministro?
E, sendo esse acompanhamento feito, o ministro não se mostrou preocupado pelos valores que progressivamente se iam afastando, de forma tão evidente, do orçamento inicial destinado à obra, não valorizando, supostamente, a prática de atos, por parte do diretor-geral dos Recursos, à margem das respetivas competências legais?
E, nesse sentido, que atitude tomou para indagar as causas dessas irregularidades, e pôr um travão a uma situação que já se afigurava com contornos nítidos de corrupção, como mais tarde se veio a verificar?
Trata-se de questões que o ex ministro da defesa parece não ter conseguido esclarecer de modo efetivo, facto agravado por estarem em causa matérias envolvendo uma suposta responsabilidade criminal, e que ocorreram no âmbito do ministério de que era o seu primeiro responsável.
Se o ex-ministro não conhecia os factos em toda a sua amplitude, como afirmou, devia ter conhecido..., porque os dirigentes, em qualquer setor de atividade, qualquer que seja o nível da sua autoridade, devem ser sempre responsáveis pelo que sabem e pelo que não sabem, bem como pelo que fazem e pelo que deixam fazer no seio das suas organizações, devendo retirar as devidas ilações, sempre que tal não acontece...
Tenente General (R)