O Estado é um patrão forreta
Manter os jovens portugueses no país ou incentivá-los a regressar. Boa parte dos discursos do Governo e da bancada da AD na discussão e votação na generalidade do Orçamento do Estado apontaram a esta mensagem. A intenção é boa e é importante que se passe dos planos aos atos. Mas ao Governo cabe também o papel de apresentar aos jovens boas oportunidades profissionais dentro da esfera do Estado, sendo notório que há atividades fundamentais para a sociedade que carecem de candidatos ou que não oferecem condições competitivas, quando se compara com o setor privado.
A falta de professores é um dos problemas mais sérios que o país terá de enfrentar nos próximos anos. A última fase de acesso ao Ensino Superior até deu um bom sinal, com o aumento da procura por cursos de Ciências de Educação, os que formam professores. No entanto, além de ser necessário que a frequência desse curso se converta, de facto, num futuro posto de trabalho numa escola (muitos dos jovens acabam por optar por outra direção profissional e há também aqueles que desistem a meio do percurso académico), o ritmo de entradas continua a ser inferior à quantidade prevista de docentes que se vão reformar nos próximos anos.
Aliás, num estudo recente do Edulog, o think tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, é assumido que em 2031 não haverá professores suficientes para preencher as vagas abertas por aposentação e só uma disciplina escapará a esta realidade, a de Educação Física.
A reposição do tempo de carreira congelado aos professores teve o mérito de trazer alguma justiça aos profissionais afetados, mas não resolveu as questões de fundo que afastam jovens da profissão. São questões que vão além das salariais e que passam, por exemplo, pelo crónico problema dos professores deslocados, a diminuição da autoridade do docente na sala de aula e pela falta de condições para trabalhar – ainda nesta terça-feira, o ministro da Educação admitiu que 500 escolas (10% do parque escolar do Ensino Básico e Secundário) “estão identificadas como estando em estado de degradação”, já para não falar da falta de auxiliares, que tem justificado greves quase diárias nas últimas semanas, afetando milhares de alunos e famílias.
No SNS, também há hospitais com falta de equipamento, com falta de camas para internamento e outros recursos. Ainda assim, são a porta de entrada para os jovens internos que pretendem fazer a especialidade. Mas, como escrevi em crónica anterior, esse trajeto tem tantos obstáculos que pode até parecer um campo de recrutamento para tropas de elite. Depois de todos os sacrifícios, quando tiverem a especialidade concluída, como é que se pode condenar um jovem médico por procurar alternativas que lhe garantam melhor vencimento e qualidade de vida no setor privado?
Polícias são outros profissionais essenciais para o correto funcionamento do Estado, mas há cada vez menos interessados. Em março, números oficiais revelados pela PSP deram conta de 2.865 candidatos ao concurso nacional, menos 178 do que em 2023, quando na década de 90 do século passado chegaram a existir 16 mil e em 2012 ainda eram mais de 10 mil.
Ser candidato é também muito diferente de ser polícia, pois grande parte acaba por desistir ou falhar nos testes de aptidão. Testes que, de resto, têm de ser cada vez mais rigorosos, tanto do ponto vista físico, como psicológico, para que o corpo de polícia não se transforme numa espécie de grupo de cowboys, apenas sedentos de ação, e para evitar ao máximo o aparecimento das tais “frutas podres” que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, quer expurgar das forças de segurança.
Mas há mais: investigadores que se queixam de precariedade; uma diminuição para níveis históricos do número de efetivos das Forças Armadas; autarquias com dificuldade em recrutar funcionários para tarefas básicas, como limpeza e manutenção de equipamentos públicos; falhas graves no socorro prestado pelo INEM, que vai definhando por falta de meios e ausência de condições salariais que tornem a carreira mais atrativa.
Não faltam exemplos. O que falta é respostas e garantias. O Estado tem de dar o exemplo e ser o melhor dos patrões para funcionar com a eficácia e a dignidade que os impostos pagos pelos cidadãos exigem.