O Estado e o bullying
Um em cada três alunos em todo o mundo foi vítima de bullying, sofrendo as respetivas consequências no desempenho escolar, na saúde física e na saúde mental. É um dado das Nações Unidas. E é um soco no estômago, ainda que não tão forte como quando nos damos conta de que no Portugal de 2024 não temos uma ideia clara sobre o alcance e a prevalência do bullying e do cyberbullying e que tipo de plano de ação podem as nossas instituições escolares seguir para lhes pôr cobro.
Hoje, 20 de outubro, assinala-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying, e o DN foi ouvir as histórias de quem foi agredido (física e psicologicamente), dos pais com filhos nesta aflição e os problemas sentidos pelos especialistas no tema. O exaustivo trabalho de Cynthia Valente, incluído nesta edição, deixa claro que nos falta um diagnóstico nacional abrangente, que permita saber o ponto de partida do problema. Sem uma base é quase impossível saber o que fazer, onde fazer e com que recursos. Sem dados, o Estado perde-se.
E se é certo que parece não haver uma base oficial - estatística ou com números reais de queixas -, não há falta de comissões e grupos de trabalho ou planos.
Em 14 de março de 2021, o Ministério da Educação criou uma Comissão de Acompanhamento do Combate ao Bullying e ao Ciberbullying nas escolas. Entre outras tarefas, tinha como missão “desenhar estratégias de prevenção e combate ao bullying e ao ciberbullying”, “promover e monitorizar a formação do pessoal docente e do pessoal não docente na área do desenvolvimento de competências sociais e emocionais”, “impulsionar, acompanhar e monitorizar o Plano de Prevenção e Combate ao Bullying e Ciberbullying e “apresentar, no final de cada ano letivo, propostas de atuação”.
É fácil encontrar o despacho - e as notícias do nascimento desta comissão -, mas não o resultado do seu trabalho. Nem é fácil encontrar no Diário da República a nomeação de elementos para esta comissão. Quanto ao plano de ação que a Comissão precisa de “impulsionar”, tem uma vida digital. Lê-se em meia dúzia de minutos. Mas usa como fontes para o número de casos de bullying as queixas recebidas por uma ONG com estatuto de IPSS, com um nome que soa estranhamente oficial: Observatório Nacional do Bullying. Ora, esta iniciativa, apesar de meritória e útil, não é nenhum observatório. Muito menos é nacional, é uma plataforma da Associação Plano i, que faz pela vida e vende serviços de formação nesta e noutras temáticas a empresas e outras organizações.
Voltamos à estaca zero. O Estado não terá, e provavelmente não procura, obter dados fiáveis e oficiais sobre este tipo de violência nas escolas.
Em 1910, a anarquista Emma Goldman escreveu num dos seus ensaios que “o mais violento elemento da sociedade é a ignorância”. 114 anos depois, continua a fazer sentido em Portugal. É mais violento um Estado que se reduz à ignorância do que o soco no estômago dado por um bully num recanto da escola.