O estado da (i)nação
Desde 2019 que, por esta altura do ano, o Instituto para as Políticas Públicas e Sociais (IPPS-Iscte) publica um relatório sobre o Estado da Nação e as políticas públicas. Assim, numa conjuntura em que o estrilho tende a sobrepor-se aos factos, esta iniciativa tem o nobre propósito de promover uma discussão qualificada sobre as intervenções públicas que afetam o desenvolvimento estrutural do país. Lamentavelmente, a intervenção do Primeiro-Ministro – o expoente do debate sobre o estado da nação – não poderia ter sido mais deslocada da realidade retratada no relatório deste ano.
“A nação vive hoje com confiança, confiança nas instituições (...)”, afirmou o Primeiro-Ministro. Ora, ao analisar os três poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial), a realidade revelada é outra: i) 59% dos portugueses consideram que o parlamento funciona “mal” ou “muito mal”; ii) 63% consideram que o governo funciona “mal” ou “muito mal”; e iii) 74% consideram que o sistema judicial funciona “mal” ou “muito mal”. De notar que estas são as perceções dos portugueses – o que não reflete, necessariamente, a realidade objetiva do funcionamento das instituições. Todavia, sendo a confiança um conceito multifacetado que envolve a crença na confiabilidade, honestidade e capacidade de cumprir com promessas e responsabilidades, e considerando que a maioria dos portugueses não compartilha dessa crença, a pergunta que se impõe é: em quais instituições, senhor Primeiro-Ministro?!
Talvez este relatório tenha passado despercebido, talvez o discurso já estivesse escrito e ninguém se tenha dado ao trabalho de ajustá-lo, ou talvez tenha sido mesmo intencional. De qualquer modo, a intervenção de Luís Montenegro esteve longe de representar o verdadeiro estado da nação. Em bom rigor, refletiu mais o estado da inação, um estado de alienação e procrastinação que faz da resolução dos problemas uma mera miragem.
Não é característico deste executivo – até porque tem ainda pouco tempo para lhe serem atribuídos grandes vícios ou responsabilidades. A culpa é repartida entre sucessivos governos, e os portugueses sabem disso – o que torna ainda mais surpreendente a opção por esta narrativa.
Não obstante, no que concerne à justiça – o foco do inquérito realizado –, a perceção de inação é alarmante. Apesar do debate em torno da reforma da justiça que PSD e PS têm promovido nos últimos 4 meses, apenas 19% acham que a justiça vai “melhorar” nos próximos cinco anos. Por outro lado, 25% acham que ainda vai “piorar” ou “piorar muito”.
O que explica este prognóstico tão pessimista? Simples: 73% acham que os partidos políticos com assento na Assembleia da República não têm soluções para a justiça. Além disso, entre os 15% que acreditam que há um partido que possui melhores respostas do que os restantes, 6% apontam o Chega, 3% o PS e 3% o PSD. É este o retrato de uma nação que vive com confiança? 72% acharem que pessoas com cargos políticos são favorecidas pelo sistema judicial é confiar? Obviamente que não.
É preciso assumir que a confiança dos cidadãos nas instituições – em particular, no sistema de Justiça – está seriamente comprometida, e agir (e comunicar) de acordo com esta realidade. Continuará a faltar coragem? Manteremos o estado da (i)nação? É certo que grandes reformas não acarretam grandes ganhos políticos, nem proporcionam grandes manchetes. Ainda assim, pedem-se alterações substanciais ao status quo. No fundo, pedem-se pequenos passos para os titulares de cargos políticos, mas grandes passos para a democracia.