O estado a que chegámos: pobreza, dificuldades crónicas, cansaço

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O que aí vem já em 2023, estimada leitora e estimado leitor, colocará à prova o melhor que Portugal tem: as pessoas. Não sendo algo de inusitado, por isso mesmo, a provação que se adivinha devia envergonhar os que têm governado o país nas últimas duas décadas.

Ao contrário das previsões eufóricas do Orçamento do Estado para 2023, todas as organizações internacionais apontam para uma queda do crescimento económico português para 0,7%, segundo o FMI e a Comissão Europeia, ou mesmo 1%, pelas contas da ODCE.

A forte subida das taxas de juro fará disparar, em janeiro, as prestações ao banco dos portugueses já empobrecidos, que têm créditos à habitação e outros compromissos financeiros sob sua responsabilidade.

Isto, num país com uma classe média em vias de extinção (na qual se incluem os resistentes professores portugueses), sufocada que está pelos baixos salários e pela obscena carga fiscal. Um país com 43% de pobres, antes das transferências sociais. Um país em que 72% da população ativa tem rendimentos mensais iguais ou inferiores a 1000 euros. Um país com uma inflação galopante, que ultrapassou já os dois dígitos nos bens alimentares e que anda na casa dos 18,6%, se compararmos, por exemplo, outubro de 2022 com o mês homólogo de 2021. Um país de micro, pequenas e médias empresas esmagadas pelos impostos, que lhes tolhem a capacidade de criar mais riqueza e emprego.

Como no passado recente, as autarquias locais vão estar na linha da frente no apoio aos cidadãos. Mas também as instituições de proximidade, como é o caso particular das escolas, onde se sente, todos os dias, o pulsar da comunidade. Para quem aí trabalha são já evidentes os sinais das dificuldades que assolam muitas famílias. Com efeito, está a crescer, este ano letivo, o número de alunos que requisitam refeição escolar. Crescem também, nos contextos urbanos, as transferências de alunos do ensino particular para as escolas públicas.

Os pedidos de ajuda às autarquias, aos bancos alimentares e a outros mecanismos de apoio não param de aumentar. O cansaço, a angústia e o stress instalam-se.

Um relatório recente da Comissão Europeia diagnosticou que os professores portugueses apresentam os níveis de stress mais elevados da Europa. Cerca de 87% estão mesmo sinalizados com graus consideráveis ou bastante elevados. O mesmo relatório cita um outro estudo, segundo o qual 9 em cada 10 docentes pretendem reformar-se mais cedo, sinalizando a forte relação entre o esgotamento emocional e a idade dos professores.

Longe vão os Anos 90 do século passado. Vivemos num país permanentemente adiado, sem uma estratégia mobilizadora que galvanize os portugueses, sem uma visão de otimismo e de esperança assente na valorização das empresas e das pessoas.

Penso nas mães e nos pais que, com tanto esforço e trabalho árduo, educam os seus filhos. Penso nos sacrifícios a que se obrigam para lhes proporcionar uma boa habitação e as melhores condições de desenvolvimento, na expectativa de um futuro mais próspero. São o melhor que Portugal tem: as pessoas. O país não lhes pode falhar.

Portugal precisa de voltar a acreditar. Não basta a propaganda e a retórica políticas. Isso é o mais fácil. É necessário ouvir as necessidades das empresas e das pessoas, ir ao seu encontro e convencê-las de que fazem parte de algo maior: o futuro de Portugal.

Professor do Ensino Superior

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