O erro de Adam Smith

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Temos vivido, nos dois últimos séculos, debaixo de um modelo de liberalismo muito baseado na ideia de Adam Smith de que se cada um fizer aquilo que mais o beneficia, a sociedade registará um maior desenvolvimento e as pessoas viverão melhor.

Queria com esta frase retirar o peso que a moral tinha nos negócios e na economia e assim libertá-la dos limites que lhe eram impostos pelo comportamento da sociedade da época.

Ora, Adam Smith era, entre outras coisas, professor de filosofia moral e, por isso, no seu pensamento a moral era algo que fazia parte da sociedade e que não seria dispensável. Aquilo que pretendia era efetivamente reduzir a limitação que a moral criava ao crescimento económico.

Contudo, o que daí resultou foi de facto a promoção de um mercado livre, em todos os sentidos, e seguramente livre da moral.

Paralelamente a economia liberal idealizou a democratização do mercado apostando na economia do baixo preço para permitir o acesso a todos os produtos por parte de todos os cidadãos.

Enquanto nos parecerá certo este argumentário para a evolução da economia, com o pressuposto de que o livre acesso de todos é o caminho justo para o desenvolvimento, a verdade é que a beleza da ideia não é suficiente para estimular esta democratização do mercado, acabando os responsáveis pelas empresas a maximizar os seus proveitos e tirando partido dessa mudança para aumentarem os seus benefícios.

Isto foi sendo possível sem grandes alterações do equilíbrio na sociedade enquanto foi crescendo esse mesmo mercado e à medida que iam acedendo a ele novos consumidores, fazendo deste modo aumentar os seus volumes de negócio.

Quando, ao fim de largos anos, começámos a sentir que estávamos a atingir o limite do crescimento dos consumidores, tornou-se evidente que a economia de baixo preço apenas poderia ser sustentável através da diminuição dos salários.

DestaquedestaqueAdam Smith foi importante para nos fazer compreender que mudar é aquilo que nos faz avançar, mas mostrou-nos também que viver sem moral humana não vale a pena.

Na maioria dos mercados, apesar de se defender bastante o liberalismo económico como solução de êxito da economia, a sociedade voltou a sentir a necessidade de voltar a criar um limite ao amoralismo da vida económica e limitou a baixa de salários.

Imediatamente a estrutura produtiva, confrontada com a falência do modelo, procurou encontrar alternativas recorrendo a mercados menos desenvolvidos, onde a moralidade do conceito sobre a pessoa humana ainda permitia não cuidar da sua dignidade e conseguindo assim fugir dos custos sociais do trabalho.

Foi assim transferindo para o mercado asiático a sua capacidade produtiva e manteve a sua capacidade de manter a baixa dos preços à custa da mão de obra extremamente barata.

Aquilo que ninguém então notou foi que a diminuição dos salários nos países que deixaram de ter capacidade produtiva também foi uma realidade e, finalmente, isso teve um impacto brutal na capacidade consumidora desses mercados.

E depois veio a pandemia e a guerra logo de seguida. Duas crises extraordinariamente impactantes nas nossas vidas, mas que tiveram efeitos muito peculiares na economia e na maneira de pensar das sociedades.

Por um lado, a valorização da pessoa sobre o resultado económico, e por outro, a criação de desequilíbrios logísticos que resultaram em aumentos de custos enormes daquilo que habitualmente conseguíamos obter barato. Foram duas realidades que transformaram a estrutura da nossa economia e que podem ser a solução para o erro em que tínhamos incorrido e cujas consequências estávamos prestes a experimentar.

Na verdade, a reintrodução da moral humana na economia -- a consideração da pessoa acima da economia -- a par da assunção de que aquilo que temos que obter não é a capacidade de comprar cada vez mais, mas sim a capacidade de adquirir aquilo que precisamos para uma vida digna, devem ser os dois condutores essenciais do nosso futuro económico.

Adam Smith foi importante para nos fazer compreender que mudar é aquilo que nos faz avançar, mas mostrou-nos também que viver sem moral humana não vale a pena.

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