O elogio do lixo é todo um programa político

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O presidente Trump continuou inexorável, nesta semana, no seu processo de recriação do Direito Internacional e da boa-fé presumida dos Estados. E de recriação acelerada da própria realidade, designadamente quanto a factos ambientais. Nem as palhinhas de plástico escaparam.

Trump levantou as limitações à compra e uso de palhinhas de plástico pelas entidades federais, com a assinatura de uma ordem presidencial ao seu estilo, acompanhada da justificação vocal de que palhinhas de papel eram “nojentas” e “não funcionavam”. Os 460 milhões de toneladas de plástico anuais, muitos deles acabando nos oceanos, são só um detalhe. Dentro de 45 dias, anunciou o presidente, repondo a sua visão da racionalidade pública, será apresentada mesmo uma “Estratégia Nacional para o fim do uso de palhinhas de papel”.

Não se trata de uma graça: trata-se do epílogo de uma longa e coerente batalha. Em 2020, aliás, a campanha eleitoral de Donald Trump tinha obtido, logo nas primeiras semanas, cerca de 500 mil dólares pela venda de palhinhas de plástico “Trump”, em oposição às denominadas “palhinhas de papel liberais”.

Este é um tema político porque é bem conhecido o amor que os norte-americanos assumem em relação às palhinhas. Segundo alguns números públicos, cerca de 500 milhões de fugazes relações diárias com a palhinha.

E porque todos sabemos que palhinhas de papel são, de facto, uma coisa meio pífia quando comparada a sua performance com a alternativa de plástico (ou metálica ou de bambu...). Mas também todos sabemos que o efetivamente racional seria acabar com as possibilidades e incentivos ao uso de qualquer palhinha, pelo menos para pessoas saudáveis com mais de uns 2 anos de idade... A quantidade de lixo, seja ele papel ou plástico, que artefactos irrelevantes e desnecessários representam é obscena e absurda.

Mas este é um tema político também porque o elogio da episódica palhinha de plástico - no fundo, o elogio do lixo inútil, mas confortável - é justificado ao abrigo do seu programa ideológico: um anunciado “regresso do senso comum” à política, na sua versão mais agradável de forma imediata para uma maioria e aos seus sentidos, sempre num mínimo denominador ético, ambiental ou legal.

A virtude da política era a de poder consagrar medidas menos agradáveis no presente em função de resultados futuros. Agora a política é uma experiência sensitiva, baseada no imediatismo, no egotismo e na absoluta descrença sobre o futuro. Salve-se quem puder, ouvia-se antes ao fundo. Agora, é gritado da primeira linha, como ordem executiva. Porque é literalmente isso que se quer.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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