O dr. Tarcísio e o mr. Freitas
Há um suposto candidato à presidência do Brasil em 2026 que, a propósito de uma operação policial no litoral de São Paulo que matou 57 pessoas nos dois primeiros meses de 2024, mandou quem estivesse contra a letalidade policial queixar-se “à ONU, à Liga da Justiça, ao raio que o parta”.
Esse mesmo suposto candidato subiu ao palanque em manifestação da extrema-direita, em Copacabana, a 16 de março, e perguntou: “Qual a razão de afastar Jair Bolsonaro das urnas? É medo de perder a eleição?”.
Na sequência, clamou por amnistia para os vândalos que invadiram a Praça dos Três Poderes a 8 de janeiro de 2023: “O que eles fizeram? Usaram batom? Num país onde todo o dia vemos traficantes na rua, onde os caras que assaltaram a Petrobras voltaram à cena política”, disparou, referindo-se à cabeleireira bolsonarista que grafitou o monumento “A Justiça” em frente ao Supremo e ao escândalo do Petrolão, investigado na Lava-Jato.
Anunciado pelo speaker tele-evangélico como uma espécie de apóstolo do ex-presidente do Brasil, lançou então o slogan “se está tudo caro, volta Bolsonaro”, ao comentar a inflação sobre os alimentos.
Esse mesmo suposto candidato à presidência do Brasil em 2026 havia em janeiro celebrado a posse de Trump. “Traz novos ventos que apontam para o progresso, a prosperidade e a liberdade”. “Make America great once again”, rematou.
Entretanto, há outro suposto candidato à presidência do Brasil em 2026 que, segunda-feira, 7 de abril, no contexto da inauguração de um trecho de uma linha de metro, obra com a chancela do governo de Lula da Silva, evocou “o dia em que os EUA elegeram um negro”, Obama, e citou o discurso “eu tenho um sonho”, de Martin Luther King.
Este segundo suposto candidato à presidência do Brasil em 2026 classifica a parceria que vem mantendo com Lula de “muito sólida”. “Presidente, conte comigo, vamos trabalhar juntos”, afirmou em fevereiro. Um ano antes, tirou fotografia de mãos dadas e largo sorriso com o atual chefe de estado.
Em julho de 2023, esse suposto candidato, que atuou como alto funcionário dos governos de Dilma Rousseff, chegou a participar de uma peça de propaganda sobre a reforma tributária, um dos legados de Fernando Haddad, o ministro das Finanças de Lula.
Chegou então a hora de dar o nome aos supostos candidatos à presidência do Brasil em 2026: o primeiro chama-se Tarcísio de Freitas; o segundo, também.
O governador de São Paulo, cargo a que chegou graças ao apoio de Bolsonaro, de quem foi ministro, mas em que, para ter sucesso, precisa manter boa relação com Lula, o atual inquilino do Planalto, sabe que até no divididíssimo Brasil, as eleições se ganham ao centro.
Por isso, quer estar bem com Deus e com o diabo, quer dar uma no cravo e outra na ferradura, quer ser o Dr. Jekyll, quando apoia a reforma tributária, e o Mr. Hyde, quando aplaude a letalidade policial. Vamos ver se a estratégia resulta quando deixar de ser suposto e passar a ser, de facto, candidato.