O dilema entre a tecnocracia de Elon Musk e o “Novo Serviço Público”

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Elon Musk, ao liderar o “Departamento de Eficiência Governamental” do próximo Governo de Trump, traz consigo uma visão tecnocrática que compara o governo a uma startup ou a uma máquina de eficiência, em que os cidadãos não passam de dados organizados, custos a minimizar ou obstáculos a remover para um progresso desenfreado e sem limites.

A promessa tecnocrática parece sedutora, com um Governo mais rápido, barato e moderno. Musk e outros tecnólogos defendem uma gestão pública do tipo empresarial, com cortes de gastos desnecessários, despedimentos em massa e uso da Inteligência Artificial para acelerar processos e decisões. Contudo, existem interesses escondidos por trás destas promessas, pois a eficiência sem ética é muito perigosa.

Relativamente aos seus interesses pessoais e empresariais, Elon Musk pretende influenciar a nova governação Trump para uma profunda desregulação e redução de obstáculos que possam dificultar o crescimento sem limites de setores como a tecnologia, a energia e os transportes, áreas estas em que ele próprio possui fortes investimentos e muitos conflitos de interesse.

Este modelo desumaniza as políticas públicas, transformando as pessoas em números, em que as necessidades específicas de mães solteiras, idosos infoexcluídos ou comunidades rurais isoladas se tornam “anomalias” sem relevância, nem qualquer atenção centrada nos seus eventos de vida. Além disso, a privacidade é ameaçada, com dados a serem usados sem o consentimento dos cidadãos.

Musk vê o Governo como uma mera gestão de recursos, trazendo para os nossos dias uma visão tardia da “Nova Gestão Pública” (NPM, na sigla inglesa), inspirada no neoliberalismo de Thatcher e Reagan, na contramão do “Novo Serviço Público” (NPS, ingualmente, sigla em inglês), teorizado pelo casal Denhardt, atualmente predominante na Ciência Administrativa. Este debate não é apenas técnico, mas profundamente político e humano.

Ao contrário das propostas de Elon Musk, a ascensão do NPS que está a emergir na maioria das democracias, adapta-se perfeitamente à governação digital para servir melhor as pessoas, promovendo a transparência, a inclusão, a igualdade, a justiça e a participação cívica, onde os cidadãos são parceiros ativos e a tecnologia reforça a cidadania sem a substituir.

Em vez da propagação da discórdia e do ódio, as plataformas digitais podem aproximar cidadãos e Governos, ao permitirem orçamentos participativos, decisões comunitárias e cocriação de políticas públicas.

Os dados recolhidos pelo Estado podem antecipar necessidades em Saúde, Educação ou benefícios sociais, salvaguardando o respeito à privacidade e à supervisão ética. Ao contrário do modelo de Musk, o NPS propõe-se garantir acessibilidade para todos, incluindo os mais vulneráveis.

É essencial construir um sistema que combine eficiência com justiça social e ética. Caso contrário, a visão de Musk poderá tornar-se mais um exemplo de como a desregulação, sob o pretexto de liberdade, pode fragilizar o tecido democrático que a Administração Pública deveria fortalecer.

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