O desafio demográfico e a crescente necessidade de novas soluções na Saúde

Publicado a
Atualizado a

Portugal faz parte de um restrito grupo de países em que a prevenção de mortes por causas medicamente evitáveis e a esperança de vida são superiores à média dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), mas em que o gasto em Saúde é inferior à média nestes países. Estes bons resultados de eficiência em Saúde, reportados no relatório Health at a glance 2023 OCDE indicators, posicionam Portugal no top 5 dos países mais envelhecidos do mundo e projetam que em 2050 1/3 da nossa população terá mais de 65 anos. Este é um enorme desafio para Portugal, se tivermos em consideração que em 2021, 75% deste grupo populacional reportava não estar em boa saúde, 61% tinha pelo menos algum grau de limitação e 21% tinha limitações graves na sua vida diária. Adicionalmente, os indivíduos com mais de 65 anos têm maior prevalência de doenças crónicas e, se projetarmos o seu impacto em termos numéricos absolutos, o embate em 2050 nos recursos de Saúde será gigantesco. A título de exemplo, de acordo com o mesmo relatório, é provável que Portugal tenha nessa altura uma prevalência de demência de 25,7 casos por 1000 habitantes, correspondendo a mais de 250 000 portugueses afetados por esta doença...

Mas Portugal não parece preparado para antecipar estas necessidades dos cidadãos. Por exemplo, citando o relatório State of the health in the EU, Portugal Perfil da saúde em 2023, o número de profissionais de cuidados continuados por 100 indivíduos com mais de 65 anos é de 5,7 nos países da OCDE e é de apenas 0,8 em Portugal (na Noruega é de 12!). Em consonância, só 5% das despesas de Saúde nacionais são afetadas a cuidados continuados, o que é menos de 1/3 da média da UE. Há também outros indicadores que revelam dificuldade em fazer face a esta crescente nova realidade. O número de visitas anuais ao Serviço de Urgência era em 2021 de 63 por 100 habitantes em Portugal, contra 27 por 100 habitantes na OCDE. Este índice está habitualmente associado a falta de funcionalidade dos cuidados de saúde primários, críticos para gerir adequadamente populações envelhecidas e com doenças crónicas. Por outro lado, o setor hospitalar em Portugal tem uma densidade de camas relativamente baixa, com 3,5 camas hospitalares por 1 000 habitantes em 2021, em comparação com a média da UE de 4,8 camas por 1 000 habitantes, gerando um alerta sobre a capacidade de resposta para uma população em crescente necessidade de internamentos para equilibrar intercorrências próprias do envelhecimento. Finalmente, em 2021, o pagamento privado da Saúde (seguros voluntários e pagamentos diretos) financiaram 37% das despesas, quase o dobro da média da UE (18,9 %). Estes indicadores financeiros, num contexto de potencial maior fragilidade económica de uma população com mais de 65 anos merecem reflexão.

As dificuldades crescentes para Portugal fazer face às necessidades de Saúde dos seus cidadãos embatem num teto de eficiência dos sistemas de saúde, a partir do qual o progresso tecnológico e científico não corresponde a ganhos de produtividade, ao contrário de outras áreas económicas. Este fenómeno ocorre porque a saúde está muito dependente de recursos humanos que não diminuem (na verdade por vezes até têm de aumentar) com o progresso tecnológico e científico da Saúde. Na maioria dos países, com Portugal em destaque, este modelo de gastos crescentes é potenciado pela evolução demográfica, como é evidenciado no relatório Fiscal sustainability of health systems OCDE. Por isso, existe a nível internacional uma tendência para os Orçamentos para a Saúde ficarem deficitários e terem de ser frequentemente resgatados. Gera-se assim um potencial círculo vicioso, em que deficits crónicos e a necessidade de reforços orçamentais recorrentes poderem diminuir o estímulo para um bom controlo financeiro das instituições, com risco de despesas excessivas.

Quais as opções disponíveis para fazer face a um inexorável aumento dos custos de Saúde de forma equilibrada e sustentável? O crescimento económico pode incrementar as receitas do Estado, mas a previsão é para que este ocorra a uma taxa inferior ao aumento dos custos da Saúde. É por isso fundamental encontrar soluções que não contribuam para o aumento de impostos ou do endividamento externo. A opção mais imediata tem sido aumentar a alocação relativa à Saúde no Orçamento do Estado (OE). Mas este aumento tem limites e compete evidentemente com todas as outras necessidades nacionais. Outra estratégia, que tem sido seguida em países como a Grécia, Itália, Espanha e Portugal, foi a redefinição da proporção do pagamento público e privado da Saúde, com um aumento dos pagamentos diretos e seguros voluntários (Fiscal sustainability of health systems OCDE). Esta medida encerra um grande risco de iniquidades para aqueles que têm mais fragilidade económica, para os portadores de doenças crónicas e para os mais idosos, com a agravante de que estas 3 variáveis tendem a coincidir e potenciar-se mutuamente. O aumento da eficiência do setor da Saúde seria claramente a melhor solução, embora já vimos que este é um desafio complexo. Mas há exemplos de sucesso e oportunidades para inovar. Por exemplo, na área dos produtos farmacêuticos a política de genéricos e biosimilares provou a sua eficácia, mas outras medidas podem ser exploradas, como a digitalização e robotização de várias atividades, redução da prescrição inadequada de antibióticos, diminuição do erro médico, melhor conjugação de funções de todos os profissionais de Saúde e programas de financiamento específicos para determinadas doenças.

A Saúde em Portugal encontra-se refém do seu próprio sucesso e sob ameaça de uma evolução demográfica inexorável, para a qual não há uma capacidade instalada de recursos de Saúde adequada. Para conseguirmos acomodar melhor as necessidades de Saúde da nossa população, teremos de modelar positivamente todas as variáveis passíveis de reforçar o setor da Saúde. Desenvolver a Economia e aumentar os rendimentos do Estado para um aumento real do OE, prever um aumento progressivo na fração atribuída à Saúde no OE, prevenir desequilíbrios e iniquidades causadas pelo componente de pagamento individual da Saúde e sermos criativos em todas as estratégias de aumento da eficiência da Saúde. Este é um desafio para toda a UE e para a maioria dos países da OCDE, mas Portugal está literalmente na linha da frente de uma avalanche demográfica e de necessidades de recursos de Saúde e terá de liderar soluções inovadoras e sustentáveis.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt