O desafio de descarbonizar os pesados
A descarbonização da mobilidade e em particular da mobilidade rodoviária pesada (incluindo camiões e autocarros) é um desígnio que se tornou urgente para todos na Europa e no Mundo. Apesar da sua premência e necessidade, é também uma enorme oportunidade tanto para o país como para as empresas e entidades que melhor conseguirem corresponder a este desafio.
Existem soluções de descarbonização que podem ser aplicadas já hoje - e esta é a primeira e principal mensagem. E em parte não é preciso esperar que determinada tecnologia siga o seu ciclo de desenvolvimento e ganho de escala por décadas, nem é preciso comprar novos veículos, caros e com desafios operacionais vários. Os nossos associados estão a trabalhar nessas soluções de forma rápida e proativa já hoje, tanto nas fábricas em operação como na preparação de novas fábricas. A mobilidade elétrica nos veículos ligeiros e os combustíveis verdes na mobilidade pesada são duas peças fundamentais para que possamos acelerar o passo e alcançar as metas a que nos propomos todos, enquanto sociedade. Ainda assim, descarbonizar a mobilidade não é tarefa fácil: há quatro números que, pela sua dimensão, nos dão a perceber isso mesmo.
1. 100 mil milhões de Euros, ou cerca de 50% do PIB nacional. É o valor do parque automóvel de ligeiros e pesados em Portugal. São 6 milhões de veículos, nas mãos de todos nós, Portugueses. O valor é enorme e precisa de ser considerado em qualquer análise séria desta temática. Aproveitá-lo da melhor forma, extrair dele o máximo valor possível para que possamos construir prosperidade, deve ser prioridade.
2. 80% da mobilidade rodoviária nacional, ou seja 4.9 mil milhões de litros anuais. É a quota de consumo de diesel que Portugal faz todos os anos. 60% da energia consumida (e do CO2 emitido) na mobilidade rodoviária é pelos pesados - e 98% destes ainda são a motor a combustão interna. Isto após décadas a apoiarmos fortemente (com recursos do país) a mudança para outro tipo de veículos pesados, como sendo os de GNC/GNL. Não há como contrariá-lo: para descarbonizar camiões e autocarros, teremos de descarbonizar o diesel. Todas as outras soluções são bem-vindas, mas não serão nunca suficientes nem suficientemente rápidas.
3. 95% de Valor Acrescentado Bruto. É a percentagem de valor que a economia nacional pode gerar e absorver quando converte um resíduo endógeno num diesel verde. Essa percentagem ainda é superior a 50% quando o resíduo é importado para transformação com recurso a tecnologia e indústria nacional, e sobe acima de 95% quando a fonte de energia usada no processo é endógena, seja isso conseguido com recurso a eletricidade verde, hidrogénio verde ou biometano usados no processo produtivo, por exemplo. Para comparação, o VAB da transformação de petróleo fóssil em diesel fóssil numa refinaria de boa tecnologia não vai além dos 10%. Para descarbonizar e construir a economia do futuro, há que juntar economia circular com energia verde e produzir em Portugal. Tal gerará emprego, investimento e muitos outros efeitos colaterais.
4. 77% a 99% de redução de CO2 quando comparando com o combustível fóssil. É quanto cada tonelada adicional de combustível verde, produzido por fábricas como as dos nossos associados, pode ter de impacto ambiental. É a maior percentagem de redução de emissões em ciclo de vida de qualquer fonte de energia para a mobilidade pesada atualmente disponível. Um acelerador imenso da descarbonização, que foi responsável por mais de 90% do CO2 que a mobilidade nacional conseguiu reduzir nos últimos anos. Para contexto, a mobilidade elétrica, que está felizmente a crescer a ritmo acelerado, ainda contribui com bastante menos de 5% do total. Isto é conseguido usando estes combustíveis verdes nos veículos atualmente em uso, evitando também o investimento e impacto ambiental de um novo veículo. Os combustíveis verdes juntam os três desígnios anteriores e descarbonizam a uma velocidade inigualável. E isso nenhuma das outras soluções de descarbonização da mobilidade faz.
A tese que decorre daqui é simples e bastante evidente. Mas não está completa: já hoje, Portugal produz mais de 400 milhões de litros destes combustíveis verdes. Só estes conseguiram ajudar a acelerar o passo na descarbonização da mobilidade nos últimos anos - fizeram os tais mais de 90% de quota na redução de CO2 que Portugal conseguiu. São sobretudo substitutos do diesel fóssil, e usados na sua maioria em mistura com o diesel fóssil, mas cada vez mais em sua substituição, progressiva ou completa.
Empresas como a Prio, a Galp, a Bioport, a Eco-Oil e a BeyondFuels produzem e/ou vendem já estes combustíveis verdes. Estão neste momento em preparação vários projetos de investimento em aumento de capacidade por estas e outras empresas, somando num total mais de 2,5 mil milhões de Euros de novas fábricas de alta tecnologia e forte potencial de geração de valor e até de exportação. Esta é uma oportunidade que Portugal tem de maximizar.
Fazendo isto, teremos efetivamente uma economia circular e não linear, uma economia de bens transacionáveis e exportáveis, e um ambiente mais limpo, com mais futuro - além da tal mobilidade descarbonizada. Vale referir que, aproveitando toda a capacidade atual e anunciada de produção de combustíveis verdes e consumindo os seus produtos em camiões e autocarros nacionais, poderemos em 2030 ter descarbonizado, se assim quisermos, perto de 50% da mobilidade pesada nacional. Teremos evitado com isso a importação demais de 1.500 milhões de litros de petróleo todos os anos. São números enormes e que nos dão muita esperança e ânimo.
Por isso, e por vermos cada vez mais frotas a estudarem como consumir mais destas opções de diesel verde, sejam elas diesel biológico (FAME), diesel renovável (HVO) ou diesel sintético (synfuel), trouxemos para Portugal o 1st European B+ Summit, que decorreu na semana passada no Estoril. O evento trouxe ao Estoril mais de 350 representantes de empresas do setor, portuguesas e de todo o mundo. Além dos antes referidos, patrocinaram o evento também empresas líderes do setor como são a Resiway, a Chevron REG, Argent, Greenergy e Münzer. Também participaram mais de 20 Associações Setoriais Europeias, diversos Comissários e Membros do Parlamento Europeu, Ambientalistas, entidades do Estado e grandes responsáveis de frotas de veículos pesados nacionais.
O evento foi um sucesso e será certamente repetido. Ajuda muito trazer a Portugal o melhor dos fóruns de discussão a nível europeu no que toca a combustíveis verdes - ajuda-nos a melhorar e a acelerar caminho. E foi motivo de orgulho ver tantas coisas que Portugal está a fazer que estão ao nível do que de melhor que se faz no mundo, seja na produção de diesel verdes a partir de matérias-primas residuais, seja no uso de diesel verde diretamente em veículos e frotas.
Porque este é um setor em que Portugal tem já muito para mostrar. E porque o potencial de crescimento do setor é enorme e as muitas histórias de sucesso da descarbonização por esta via devem ser conhecidas para que possam ser replicadas e escaladas, fazendo com que a política e mecanismos regulatórios nacionais e europeus sejam também eles cada vez mais apoiantes desta via de descarbonização, totalmente complementar com a crescente, mas algo lenta e limitada, eletrificação do veículo ligeiro.
Os resultados já alcançados, sobretudo através do diesel biológico, estão à vista, e as oportunidades de crescimento tanto do seu uso como da produção do diesel renovável e do diesel sintético ficaram, creio eu, evidentes. O trabalho é grande, mas a oportunidade é imensa, e estou confiante que Portugal a saberá aproveitar.
Presidente da ABA - Associação de Bioenergia Avançada