O debate sobre Defesa não pode ser apenas sobre economia
À semelhança do que aconteceu em outras alturas da nossa História, antiga e recente, em que choveram milhões, o anunciado aumento do investimento em Defesa está a ser encarado por muitas empresas como uma oportunidade. Enquanto isso, com a bênção de uma Comissão Europeia que está disposta a aceitar que o aumento dos gastos na Defesa não conte para as regras do défice (de modo a não obrigar os governos a fazerem cortes impopulares nas despesas sociais, pelo menos para já), os políticos preparam-se para definir as regras do jogo e decidir de que forma será repartido o bolo no valor de 5% do PIB, que terá de ser alcançado até 2035.
Para os políticos, é Natal: vão poder gastar mais dinheiro em infraestruturas, sem que esses gastos coloquem em causa o limite do défice, por se tratar de equipamentos que poderão ter utilização civil e militar em simultâneo. O novo aeroporto de Lisboa poderá ser uma destas infraestruturas, tal como deixou claro o primeiro-ministro numa conferência organizada pela SIC Notícias, com o apoio da Lockeed Martin e de outras entidades ligadas ao universo da Defesa. O país, defendeu Luís Montenegro, deve encarar este momento “não como um ciclo onde vamos gastar mais dinheiro e passar mais cheques, mas como um ciclo onde vamos investir para ter retorno, para tirar proveito”.
Até aqui, nada de novo. Era previsível que tanto os privados como os políticos olhassem para isto como uma oportunidade. Porém, seria positivo se a discussão sobre Defesa fosse para além dos aspetos puramente económicos e se focasse no outro “retorno” que está jogo, nomeadamente na resposta às necessidades reais de Portugal nesta área.
Parte dessas necessidades dizem respeito aos compromissos no âmbito da NATO e da União Europeia (UE), pelo que a sua definição não depende apenas de nós, uma vez que, num cenário ideal, haverá a distribuição de responsabilidades entre aliados. Mas pode fazer sentido uma lógica de especialização no nosso contributo, nomeadamente com uma aposta em áreas específicas que vão ao encontro da nossa realidade. Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar dinheiro em elefantes brancos e em capacidades que façam sentido no papel mas não tenham grande utilidade no mundo real, sobretudo no domínio da deterrence, que é o objetivo último de quem procura evitar a guerra preparando-se para ela.
Para determinar onde investir, é essencial compreender a nossa realidade geoestratégica e as ameaças específicas que enfrentamos. Portugal, como país atlântico, possui características únicas que moldam as suas necessidades de defesa. Somos um país marítimo, por cujas águas passam rotas vitais para o comércio internacional. Temos dois arquipélagos que funcionam como plataformas que nos asseguram capacidade de projeção de forças em pleno Atlântico. Temos interesses vitais em África, tanto nos países lusófonos como no Magrebe. Temos uma Zona Económica Exclusiva que, além de muito extensa, tem grande potencial a nível de matérias primas e outros recursos valiosos. No território continental, estamos relativamente isolados dos problemas que possam existir no resto da Europa, mantendo também uma forte aliança com o nosso único vizinho. Em contrapartida, enfrentamos ameaças como a imigração ilegal e o tráfico de droga, com o nosso país a ser utilizado como plataforma logística por grupos que funcionam como verdadeiras multinacionais do crime. E temos pela frente ameaças também ao nível dos extremismos, para além da atuação de players hostis que usam Portugal para operações clandestinas e que promovem ataques cibernéticos e atos de sabotagem contra infraestruturas vitais.
Perante este cenário, o controlo e vigilância do nosso vasto espaço marítimo, com a aposta em meios aeronavais e tecnologias avançadas, emerge como uma prioridade inegável. Paralelamente, o reforço dos serviços de informações e das capacidades de defesa contra ataques digitais e a “guerra híbrida” é crucial. É nestas áreas, mais do que em equipamentos militares convencionais que podem ter impacto limitado, que reside o verdadeiro potencial de um investimento eficaz por parte de Portugal, incluindo no que toca ao nosso contributo para a NATO.
Em suma, o aumento do investimento em Defesa é uma oportunidade que Portugal não pode desperdiçar. Contudo, para que não se resuma a um mero ciclo de faturação para alguns, é imperativo que o debate público e as decisões políticas se centrem nas reais necessidades do país, na transparência da despesa e no potencial de retorno para a segurança de todos. O verdadeiro sucesso medir-se-á não pelos milhões gastos, mas por um país verdadeiramente mais seguro.