O Conclave não é um concurso de misses
A Igreja vai continuar a mudar. Francisco alterou radicalmente a geopolítica do Conclave. E essa herança determina, desde logo, a escolha do seu sucessor.
A frase que serve de título a esta crónica é ótima. Infelizmente e com muita pena, tenho de confessar que não é minha. ‘Roubei-a’ ao padre António Vaz Pinto, que, há muitos anos e numa altura em que também se antecipava um Conclave, me explicava, com a sua enorme paciência e humor, como eram os meandros da eleição do Sumo Pontífice da Igreja Católica. À época, preparava um artigo para o Expresso e foi assim que rematou a conversa, que se desviara para os papabile, candidatos preferidos ou vencedores à partida.
Jesuíta, como o Papa Francisco, o padre Vaz Pinto também, como ele, sabia usar as palavras com a acutilância, a força e o rigor necessários para se tornarem memória. E, tal como muitas das frases usadas por Francisco, também esta me ficou registada e, muitas vezes se tem repetido na minha cabeça no momento em que a Igreja – e o mundo – aguardam a eleição do novo Papa, que sucederá a Jorge Bergoglio.
Imagino que terá sido sempre assim. Há oito séculos – quando as regras do Conclave foram estabelecidas e, com mais ou menos alterações, se mantém até hoje – que, suspeito, terá havido rumores sobre os mais prováveis sucessores, apostas nos vencedores e jogos de bastidores, mais ou menos assumidos a favor de um ou outro cardeal.
Mas, agora, a bolsa de apostas e esta espécie de toto-papabile atinge níveis próximos da histeria. Talvez seja porque o mundo é global e as redes sociais hiperativas, a verdade é que, de repente, todos têm um cardeal preferido ou, no mínimo, um top 5. Como num campeonato de futebol, somos todos treinadores de bancada, temos ranking de equipas favoritas e somos especialistas instantâneos nas artes e técnicas de um Conclave, só porque vimos um filme e lemos uns quantos posts no Instagram.
Ora, a eleição de um Papa não é mesmo um concurso de misses e não se decide a partir de critérios de popularidade, não tem sondagens ou estudos de mercado. Um católico, explicará que o Espírito Santo atua nos interstícios da reunião da Capela Sistina e faz o seu trabalho na escolha de um sucessor de Pedro – e os seus caminhos serão sempre insondáveis. Para um ateu convicto, é bom lembrar que nunca os nomes pré-anunciados acertaram no Papa eleito e isso bastaria para deixar de acreditar nas atuais bolsas de apostas. Para além de que, em termos matemáticos, a probabilidade de acertar é baixa: 1 em 135…
Indicar um prévio vencedor é, por isso, do domínio da adivinhação, mas tal não impede que se consiga antecipar um dado importante: o Conclave vai eleger um Papa alinhado com o caminho iniciado por Francisco. Porquê? Desde logo por uma premissa de base: os cardeais eleitores (e elegíveis) que compõem o Conclave deste dia 7 de maio são um enorme legado do Papa. E não apenas porque a larga maioria dos cardeais eleitores (80%) foi escolhida por Francisco. Mas, acima de tudo, porque a geopolítica da Igreja mudou com ele, desviando-se do todo-poderoso centro Europeu e Ocidental, e dando um papel relevante às periferias que todos os outros Continentes representaram – até hoje – no Governo da Igreja.
Basta ver os dados. Dos atuais 133 cardeais eleitores que estarão presentes no Conclave (dois estão de baixa por doença), 38% são da Europa, 28% da América, 17% asiáticos, 14% africanos e 3% da Oceânia. Há doze anos, quando a escolha recaiu sobre Francisco os números eram bem diferentes: a Europa dominava o Conclave, com 52% dos cardeais eleitores, a representação asiática era cerca de metade do que é hoje, a africana 40% abaixo da atual e a Oceânia quatro vezes menor. E o contingente americano, apesar de se manter estável (era de 29%), regista uma diferença substancial: os cardeais eleitores da América do Norte já não dominam a representação do Continente americano. Eram 64%, em 2013. Hoje, EUA e Canadá são 43% do conjunto cardinalício americano, cedendo peso ao Sul onde, pela primeira vez, o Brasil surge como o terceiro país com mais cardeais eleitores no Conclave (tem sete, atrás dos Estados Unidos com 10 e a Itália com 17).
O Mundo mudou com o Papa Francisco e ele mudou o pequeno mundo representado no Conclave. Trouxe, como prometeu desde o arranque do seu Pontificado, as periferias para o centro. E isto quer dizer que os problemas, prioridades e preocupações centrais da Igreja deixam de ter como epicentro a Europa, mas todo o resto do mundo. Resto do mundo, aliás, onde a Igreja católica está a crescer, ao contrário do que acontece no envelhecido e cada vez mais laico Ocidente.
Falar em epicentro vem, aliás, a propósito. Francisco abanou a Igreja, com pensamentos, atos e reformas. Veremos se as réplicas do seu Pontificado não serão mais e maiores. Em breve, saberemos.
Ex-jornalista e Porta-voz da JMJ Lisboa 2023