O cidadão tem que deixar de ser um “paquete” do Estado
A relação entre o cidadão e o Estado tem evoluído significativamente com o avanço das tecnologias de informação e comunicação. No entanto, a burocracia ainda impõe desafios que muitas vezes transformam o cidadão em um mero mensageiro de documentos.
A digitalização dos serviços públicos e a adoção de certidões e comprovantes dinâmicos e em tempo real poderão representar um passo crucial rumo à modernização administrativa, conducente à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e das empresas.
Tradicionalmente, os cidadãos precisam solicitar, recolher e entregar diversos documentos em papel, para aceder a serviços públicos ou privados. Mais recentemente, passaram-se a transmitir links a terceiros para a comprovação de certificados, mas nem por isso os cidadãos saem do circuito.
Esse processo, além de ser demorado e ineficiente, acarreta custos significativos em tempo e dinheiro para os cidadãos e para o próprio Estado. A redundância na apresentação de informações que já estão na posse de diferentes departamentos estatais exemplifica a falta de integração e comunicação entre os sistemas públicos e contraria o princípio da União Europeia de pedir informações uma só vez (once only) e reutilizá-las muitas vezes.
Esta abordagem não só simplifica a vida dos cidadãos, mas também aumenta a transparência e reduz a possibilidade de fraudes. Com sistemas interligados e ativos, é possível garantir que as informações estejam sempre atualizadas e disponíveis quando necessário, sem a necessidade de múltiplas verificações ou pedidos de certidões e comprovantes.
Por exemplo, um sistema ativo e interoperável poderia verificar em tempo real o estado civil do cidadão, a mudança de residência poderia ser automaticamente atualizada em todos os registos governamentais, as certidões de não divida ou os registos criminais passariam a ser emitidos sempre que necessário, sem qualquer intervenção humana. Com efeito, a maioria das certidões poderiam ser trocas de bits (sim ou não) entre bases de dados.
Muitas destas certidões, já são hoje emitidas de forma “permanente”, através da compra de um link para acesso de terceiros, mas com prazo de validade, apenas porque têm de ser pagas pelo requerente. Se o problema são as receitas do Estado, então passar-se-ia a pagar pelo fornecimento integral do serviço e não por cada uma das suas fases intermédias inúteis.
Em Portugal, existe a possibilidade de partilha automática de dados desde que haja vontade política para se propor e aprovar legislação para cada uma das finalidades específicas.
Por exemplo, se quisermos desmaterializar integralmente a resolução de um evento de vida, como ir à escola, construir uma casa, criar uma empresa, a partilha de dados deverá estar suportada em lei específica para cada um destes processos, mas tem havido muito poucas iniciativas legislativas para o efeito.
A tecnologia está totalmente preparada para que isso aconteça, nomeadamente através da plataforma de interoperabilidade iAP, mas cada organismo, ministério ou nível de governo tem de se abrir aos outros e colaborar entre si, para melhor servir o cidadão.
Para quando uma administração pública verdadeiramente centrada na resolução dos eventos de vida dos cidadãos e das empresas, através da partilha de dados e da interoperabilidade tecnológica, semântica e sobretudo organizacional, de forma segura, rápida e eficiente?