O caminho para a transparência e a ética nos municípios portugueses
O licenciamento de obras particulares é um dos processos mais sensíveis da gestão municipal, devido ao seu impacto social e económico. É uma área frequentemente associada a riscos de corrupção e opacidade, com apelos para se ignorarem ilegalidades, acelerar decisões ou realizar atos administrativos para benefício privado, em prejuízo do interesse público.
O controlo dos prazos nos licenciamentos é crucial, pois os atrasos e a falta de transparência aumentam a exposição à corrupção. Desde a compra de terrenos até à emissão de licenças, a opacidade na cadeia de valor pode resultar em discrepâncias nas taxas, favorecimentos e decisões inconsistentes. Para enfrentar estas questões, a conjugação da norma ISO 37001:2016, tecnologias inovadoras e a adesão ao OGP Local (Rede de Administração Aberta Local) proporcionam soluções eficazes.
A experiência em todo o mundo demonstra a relação direta entre a demora dos processos (propositada ou não) e o apelo à corrupção. Pois os promotores acabam por perguntar “o que devo eu fazer para isto andar mais depressa e não ter mais prejuízos com a obra parada?”
A norma ISO 37001 estabelece medidas preventivas contra o suborno, tais como auditorias, segregação de funções, canais de denúncia confidenciais e análise de riscos. Contudo, o controlo ativo dos tempos de tramitação é a chave para mitigar favoritismos e aumentar a transparência. Sistemas de informação dinâmicos e em tempo real são fundamentais, ao permitir monitorizar os processos com indicadores claros e prazos cumpridos, promovendo a responsabilização dos envolvidos.
A anonimização de dados possibilita a publicação destas informações, garantindo o escrutínio público sem comprometer a privacidade dos técnicos envolvidos, mas não deixando de os responsabilizar internamente. A digitalização, apoiada por ferramentas como o blockchain, assegura registos imutáveis de cada etapa, enquanto a Inteligência Artificial identifica padrões suspeitos, como as discrepâncias entre áreas licenciadas e taxas cobradas.
O paradigma do Licenciamento Zero, adotado por muitos municípios e elogiado internacionalmente, reduz os contactos diretos, elimina burocracias e acelera os processos de baixo risco. Os projetos de maior impacto podem beneficiar de tecnologias como a realidade virtual e aumentada, permitindo consultas públicas mais imersivas e informadas.
A adesão ao OGP Local reforça estas iniciativas, promovendo a adoção de compromissos públicos e uma governação mais aberta e participativa. As plataformas públicas interativas podem permitir que os cidadãos acompanhem pedidos em tempo real, consultem prazos, taxas e relatórios sobre beneficiários efetivos. Mapas interativos podem expor desigualdades e favoritismos, ao mostrar a distribuição dos licenciamentos e as condições associadas.
Apesar dos avanços em alguns municípios portugueses, é essencial expandir e digitalizar estas práticas com visibilidade num portal a nível nacional. A combinação da ISO 37001, tecnologias avançadas e princípios do OGP Local pode transformar o licenciamento de obras num modelo de transparência, eficiência e confiança.
Os municípios portugueses, ao monitorarem e divulgarem toda a cadeia de valor, podem contribuir para o combate à corrupção e aproximam-se das comunidades que servem, construindo uma relação de confiança entre os cidadãos e as instituições.
Que esta crónica sirva de inspiração aos programas de candidatura às próximas Autárquicas e a toda a sociedade civil que vai ser convidada a fazer escolhas sobre os seus representantes locais.
Especialista em governação eletrónica