O caminho da Retenção
A mais recente troca de acusações entre o PS e a AD sobre a alteração das tabelas de retenção do IRS mostra, desde logo, duas coisas. A primeira é que a memória é uma comodity escassa na política. E a segunda é que os socialistas já perceberam, finalmente, uma coisa que estava clara desde o início: não lhes compensa nada (politicamente) fazer da Spinumviva e das avenças de Luís Montenegro o tema principal da campanha para as eleições de maio.
Memória 1. Na sexta-feira passada, numa reação ao programa da AD, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais entre 2017 e 2022 (!), ou seja ao longo dos vários governos de António Costa, acusou o Governo de “leviandade”. Com a actualização das tabelas de retenção na fonte do IRS, disse, o “reembolso está a encolher” ou haverá mesmo “imposto a pagar”. Nem vou entrar no básico: uma menor retenção na fonte significa que o contribuinte tem mais dinheiro na conta todos os meses e que o Estado fica com menos dinheiro (indevidamente) durante meses. Ou seja, o PS e o PSD desde há muito se habituaram a transformar em arma política algo que é bom.
Aliás, Mendonça Mendes acha o mesmo. Em 2018, numa entrevista ao Expresso, disse - após críticas do PSD às alterações que o PS então fez nas tabelas - que “as tabelas de retenção na fonte não são, nem nunca poderiam ser, geridas de forma eleitoralista”. E sublinhou que a atualização das tabelas de retenção “faz-se todos os anos. Sublinho: faz-se todos os anos”.
Memória 2. O PS exigiu em meados do ano passado que o Governo de Luís Montenegro refletisse nas tabelas de retenção, e com efeitos retroativos até janeiro, as reduções do imposto que os socialistas aprovaram em 2023. Ou seja, foi também por exigência do PS que os portugueses receberam mais ao longo do ano e que, agora, terão um reembolso menor (por terem adiantado menos ao Estado durante meses!). O PS poderia ter batido no peito reclamando para si o facto de os portugueses terem recebido mais na conta todos os meses no ano passado. Mas prefere agora bater na ideia de reduzir a retenção na fonte, porque é a fruta que está mais à mão de apanhar.
Há uma boa razão para isso. O PS já percebeu que o caso que levou Luís Montenegro a forçar eleições, o das avenças da sua empresa Spinumviva, não produziu a ira e o repúdio coletivo que antevia. Os eleitores portugueses ainda votam a pensar na carteira ou influenciados pelo que lá está ou não está.
E neste caso, os reembolsos do IRS - uma espécie de poupança forçada para quem não tem disciplina - eram aproveitados por muitas famílias para pagar as férias ou o seguro anual do carro. A magreza do reembolso vai pesar no voto de 18 de maio. Será, pelo que se tem visto nos debates, o maior opositor de Montenegro nas eleições legislativas antecipadas. Mas foi Montenegro quem nos lançou nelas, e terá de dançar ao som da música que pôs.
Diretor Adjunto do Diário de Notícias