O Brasil recomeça mais uma vez

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Duzentos anos e quase quatro meses após a proclamação da independência, o Brasil está em nova transição, marcada neste primeiro dia do ano por uma cerimónia em duas partes, uma formal para assinatura e discurso de estado e a outra com a simbologia de colocação da faixa presidencial. Esta, ganhou dimensão política por ter sido feita por pessoas de todas as origens, em geral de condição social subalterna e de grupos historicamente oprimidos.

Como símbolos representam uma legitimidade que o poder neste país nunca tinha considerado.

O governo indicado para iniciar o período representa um vasto leque da política partidária brasileira, escolhido em função das necessidades de acordos parlamentares. Vai da direita quase bolsonarista até á extrema-esquerda. Mas em termos de composição da população fica atrás do grupo que acompanhou Lula e Alckmin na rampa do Palácio do Planalto, onde a também simbólica faixa presidencial foi entregue por uma mulher mestiça, catadora de desperdícios.

Estamos no domínio dos símbolos. Os próximos meses vão dar visão mais panorâmica, porém, há nesta cerimonia elementos que reconhecem a verdadeira História do Brasil.

O discurso de Lula no Congresso apontou orientações não muito diferentes das referidas por seus antecessores, desde há muito. O desafio para ele é implementar de forma durável, sem se reduzir a ciclos periódicos seguidos por recuos. Ao mesmo tempo afirmam-se ambições que este país - gigante pela própria natureza, como diz o hino - permite. Quer dizer, não é apenas garantir que cada brasileiro tenha três refeições por dia, é também não aceitar que o Brasil dependa, mesmo pouco, de energia de fora, dependa bastante em matéria de fertilizantes e dependa muito em microprocessadores.

Comparando com indicadores de outros países, mesmo desenvolvidos, os percentuais da economia brasileira não são maus. A inflação de 2022, por exemplo, deve ter ficado abaixo de 6% e a taxa de crescimento do PIB acima de 2%. Porém, estas comparações internacionais não têm nenhum significado para os milhões de desempregados, co escasso poder de compra ou habitando em condições degradadas, sem segurança nem nos mínimos.

É uma economia gigantesca que tem vivido aos soluços (no duplo sentido da palavra), por isso mesmo exigindo ritmo de crescimento também gigante e constante. O símbolo da subida da rampa do Planalto exige isso para ser coerente.

A temática do clima e ambiente é central até pela configuração brasileira. A Amazónia e o Pantanal têm recursos em água e florestas sem os quais simplesmente não haverá política global na matéria.

São só alguns exemplos luta política que vem aí. Vai ser muito dura. A base parlamentar do novo governo é frágil, feita de acordos onde parte dos signatários mercantiliza seus votos palmo a palmo e as expetativas dos eleitores são muito altas e de curto prazo. Por outro lado, as bancadas ligadas ao governo anterior são extensas e atuam para regressar ao poder, inseridas numa corrente mundial de radicalização populista de direita. Com um teste forte no próximo ano nos Estados Unidos.

Jair Bolsonaro fez-se ouvir antes mesmo da dupla cerimónia de Brasília, através do discurso do novo governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas, ao dizer que o ex-presidente "enxergou o que ninguém enxergou".

Esta transição está para durar os quatro anos de mandato.

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