O Brasil e o BRICS: um novo capítulo na Governança Global

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A XVII Cimeira do BRICS, realizada nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro, sob a presidência do Brasil, foi a primeira após a expansão do grupo.  Com a incorporação dos Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito, Indonésia e Irão como novos membros, e a adesão de nove países parceiros, o BRICS amplia significativamente seu alcance geopolítico e económico.

Criado em 2001 pelo economista Jim O’Neil como um acrónimo para designar as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, o grupo evoluiu de uma previsão económica para uma plataforma multissetorial de cooperação. A entrada da África do Sul em 2010 consolidou a nomenclatura BRICS, que hoje representa cerca de metade da população mundial e 40% do PIB global. Este crescimento reflete a ambição do grupo em contribuir para reconfigurar a ordem internacional, promovendo uma governança global mais justa e plural.

Ao longo de quase duas décadas, o BRICS estrutura sua cooperação em três eixos principais: político e de segurança, econômico e financeiro, e cultural e interpessoal. Instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas exemplificam a busca, ainda que com desafios, por alternativas financeiras que diminuam a dependência dos países do Sul Global em relação às instituições de Bretton Woods dominadas pelo Norte. Além disso, áreas como desenvolvimento sustentável, saúde, educação, ciência, tecnologia e inovação, inteligência artificial, inclusãosocial, juventude, mulheres, turismo, esporte e cultura têm sido foco de iniciativas conjuntas, reforçando a dimensão multifacetada do bloco. Importa destacar também o pilar social, que promove a interação direta entre as sociedades civis dos países membros por meio de conselhos e fóruns tais como o Conselho de Juventude, o Fórum Parlamentar, a Associação de Municípios, o Conselho Empresarial, a Aliança Empresarial das Mulheres, o Conselho de Think Tanks, o Fórum Acadêmico, e o Fórum Civil.  Esta rede de cooperação “people to people” é um diferencial que fortalece a coesão interna do grupo, reconhecendo também as diferenças culturais entre os membros. A atuação do BRICS, no entanto, gera desafios e tensões em relação ao mecanismo, particularmente, para o Brasil, maior democracia da América Latina. Os EUA enxergam o BRICS como um contrapeso à sua hegemonia, resultando em críticas, pressões e possibilidades de atrito com um dos mais importantes parceiros diplomáticos do Brasil. No âmbito interno do mecanismo, as disparidades de poder dentro do bloco limitam a capacidade de articulação brasileira, especialmente em contextos em que Pequim impõe sua agenda, como foi o caso da incorporação de novos membros, que diluiu a influência brasileira no fórum.

Presidir a Cimeira do BRICS ampliado, em um momento de graves tensões geopolíticas – como as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente – exigiu da diplomacia brasileira um equilíbrio delicado. O desafio foi evitar que essas divisões contaminassem a Cimeira, garantindo uma declaração final moderada e consensual que reafirmasse os objetivos comuns do bloco. O sucesso nessa tarefa demonstrou a habilidade da diplomacia brasileira em mediar conflitos e manter o BRICS como um espaço de diálogo, mesmo em tempos turbulentos. Apesar dos obstáculos, o BRICS transcende a ideia de um simples clube económico. Trata-se de um fórum plural onde países com sistemas políticos distintos – desde democracias até regimes autoritários – encontram terreno comum na busca por uma governança internacional mais equilibrada.

A cúpula do Rio de Janeiro não foi apenas mais um encontro diplomático. Foi a confirmação de que o BRICS é um mecanismo importante no tabuleiro global. Num mundo cada vez mais fragmentado, o bloco surge como um fórum necessário – ainda que imperfeito – de concertação entre nações que buscam uma maior inserção no cenário internacional. Para o Brasil, após a presidência do G-20 em 2024 e com o desafio de sediar a COP-30 no final do ano, participar ativamente do BRICS é uma oportunidade estratégica: permite ampliar parcerias, diversificar cooperação, projetar-se como um mediador entre o Sul Global e o mundo desenvolvido e influenciar a agenda global em favor não apenas dos seus interesses, mas de um sistema internacional mais inclusivo e equitativo.    

*Antonio Ruy de Almeida Silva. Almirante (Reformado) Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupo de Avaliação da Conjuntura Internacional (GACINT/USP). Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional.

*Danilo Marcondes.  PhD em Relações Internacionais pela Universidade de Cambridge. Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq).

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