O azar do único imigrante “ilegal” apanhado na megaoperação
Logo de manhã começaram a sair notícias sobre uma “megaoperação” policial que estava a decorrer na área da Freguesia de Santa Maria Maior, Lisboa, mais especificamente na Mouraria, o mais multicultural dos bairros da capital. Em comunicado, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP informava que se tratava de uma “operação de fiscalização a estabelecimentos comerciais e pessoas, visando a sua legalidade em território nacional, na zona do Martim Moniz”. A apoiar esta força de segurança estavam a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a Autoridade Tributária e Aduaneira (ADA), a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e a Segurança Social.
A PSP empenhou várias das suas divisões, nomeadamente a de Investigação Criminal, a de Segurança a Transportes Públicos, a de Trânsito, bem como os núcleos de Segurança Privada, de Estrangeiros e Controlo Fronteiriço, as Equipas de Intervenção Rápida, as Equipas de Prevenção e Reação Imediata e a Unidade Especial de Polícia.
Enquanto isso, no Parlamento, na audição sobre a proposta de Orçamento do Governo para as sua áreas de tutela, que incluem migrações, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, explicava aos deputados que esta operação no Martim Moniz era uma de várias. “Temos várias calendarizadas, demos instruções às forças de segurança para continuarem a fazer este trabalho no terreno. Quando detetam situações de imigração ilegal, os abusadores e os traficantes devem ser penalizados criminalmente, e quem está ilegal em território nacional deve ser sujeito a uma medida de afastamento”, sublinhou.
Aliás, está a cumprir exatamente o que deixou definido do Plano de Ação paras as Migrações que apresentou em junho passado e que previa, precisamente, a criação de “equipas multiforças de fiscalização para combater “abusos relacionados com permanência ilegal, tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal, exploração laboral e violação de Direitos Humanos dentro do território nacional”. De acordo com este plano, que identificou as grandes linhas da política migratória do Governo, estas equipas devem ser lideradas pela polícias (PJ, PSP e GNR) e envolver outras instituições, como as que foram chamadas nesta sexta-feira.
Leitão Amaro salientou que “quem está em território nacional ilegal tem de ter consequências e não pode exercer atividade, ou não pode permanecer em situação de ilegalidade”, frisando que o Governo está “empenhado em fazer cumprir as regras”.
Ora, quando ao final da tarde, chegou o comunicado da PSP com o balanço da operação e procurámos os números de cidadãos estrangeiros “ilegais” identificados no, repito, mais multicultural dos bairros lisboetas, verificámos que “foi fiscalizada perto de uma centena de cidadãos com vista à verificação da sua legalidade em território nacional”, sendo que um, apenas um, estava em “situação irregular”.
Na verdade, com cinco entidades no terreno e mais oito valências diferentes da PSP, foram feitas 38 detenções, a maioria pela existência de mandados de detenção (14), mas também por condução com excesso de álcool (cinco), por falta de carta de condução (seis), por tráfico de droga (duas) e uma por violência doméstica.
Neste comunicado de resultados, a PSP já não refere os alvos que anunciara de manhã. Afirma que a operação “decorreu no âmbito da Campanha ‘Portugal Sempre Seguro’, desenvolvida sob a coordenação do Sistema de Segurança Interna e cujos objetivos estratégicos visam o reforço da perceção de segurança no país, contrariando as informações descontextualizadas que criam a sensação de insegurança às populações”. Aliás, recorde-se, na linha do que Luís Montenegro tinha anunciado no Congresso do PSD: mais polícias na rua e equipas mistas com o objetivo de irem para o terreno “combater sem tréguas a criminalidade violenta, o trafico de droga, a imigração ilegal e o tráfico e abuso de seres humanos”.
Para o Governo, o impacto da sua política de fechar as “portas escancaradas” à imigração não podia ser melhor: os imigrantes não são, de facto, um problema de criminalidade. Nem no país, nem aqui na Mouraria, onde, por sinal, ainda há poucos meses, os moradores e o próprio presidente da junta de freguesia, Miguel Coelho, descreviam um cenário quase dantesco de degradação, crime e medo. “Estive numa loja que já foi assaltada quatro vezes. As pessoas veem toxicodependentes a injetar-se ao pé da creche. As senhoras mais idosas têm medo de falar, falam por meias palavras. A polícia não aparece. Uma das idosas chamou a polícia por causa de uma situação de pancadaria à porta dela e disseram-lhe para se manter fechada porque não tinham ninguém para cá vir”, descrevia uma jornalista do DN em reportagem. Possivelmente estas “equipas multiforças” podem ter muitos criminosos para deter pelo país fora. Imigrantes, provavelmente, não.
Diretora adjunta do Diário de Notícias