O atentado a Trump foi um alívio para Biden
Ainda que a tentativa de assassinato a Donald Trump, e a sua capacidade de reação - reproduzida já ad nauseum em imagens icónicas, de punho fechado no ar - seguramente lhe valeram uma onda de popularidade acrescida (e de novos fundos para a campanha), o seu rival também acaba por beneficiar com a situação.
Eu próprio, na noite do ataque, numa reação a quente, escrevi nas redes sociais que o incidente valeria ao candidato republicano uma vitória esmagadora nas eleições de novembro. E no entanto...
O atentado permitiu que Joe Biden regressasse ao seu papel de presidente dos Estados Unidos da América. E fê-lo de forma exemplar - ainda que ao seu género. O primeiro discurso na Casa Branca apelando à união dos americanos e ao fim das “teorias da conspiração”, foi dos seus melhores momentos em muitos meses. E com o ataque, de um momento para o outro, acabou o problema das críticas diárias a Biden, vindas do seu próprio partido, questionando a capacidade de se recandidatar. É um alívio enorme para o democrata e a sua campanha, que poderá agora focar-se na (enorme) tarefa de combater o reenergizado Trump. Mas pelo menos, agora, o adversário é exclusivamente externo.
Haverá ainda tempo para dar a volta à situação? Fossem as eleições na próxima semana, não. Só que faltam ainda mais de três meses para as eleições e os ciclos noticiosos, hoje em dia, duram apenas horas, já nem dias. Escrevo este texto antes de Trump discursar na Convenção Republicana, em Milwaukee, e também a mudança de tom que ele fizer (após um quase encontro com a morte) poderá influenciar - ou não - eleitores indecisos. Já Biden, como por demais se demonstrou, é sempre uma caixa de surpresas...
Duas coisas se mantêm se certas: a primeira, tal como o Leonídio Paulo Ferreira escreveu neste espaço, a democracia norte-americana é muito mais resiliente do que muitos querem fazer acreditar. As eleições serão na data certa, como sempre - até em tempos de guerra.
A segunda coisa é que, apesar de eu não considerar Biden um bom candidato - tal como já aqui escrevi - dada a sua idade e aparente estado mental, ele é, apesar de tudo, aquele que melhor garante a defesa da democracia liberal no mundo. Algo que assume uma importância cada vez maior nestes tempos.
O perigo também vem de dentro
A guerra na Ucrânia e a ameaça da Rússia de Putin à Europa é o exemplo mais óbvio do risco que as democracias ocidentais correm, mas é especialmente importante não esquecer a ascensão da influência chinesa no mundo, com laços fortes de amizade à esquerda (Lula da Silva) e à direita (Viktor Orbán).
Tal como há um século, as promessas de uma sociedade segura em que as necessidades das pessoas são asseguradas pelo Estado são cantos de sereia que encantam muita gente, que ignora - ou dolosamente faz por ignorar - a História. Nunca estas ideologias trouxeram mais do que miséria e morte, mas dos dois lados do espetro político continuam a acenar-nos com estas falácias como sendo soluções mágicas para a vida das pessoas.
Trump, com o seu fascínio por “homens fortes”, e a pouca cultura em geral que tem, é por isso muito mais perigoso para o mundo do que Biden.
Nós, na Europa democrática, devemos lembrar (e agir de acordo com) estas palavras - proferidas em 2000:
“Começando com a Revolução Francesa, e depois muito encorajados pela Revolução Bolchevique, os tempos modernos têm sido atormentados por ‘-ismos’ isto é, por ideologias, na verdade, religiões seculares. A maioria extremamente má.
O comunismo foi responsável por quase 100 milhões de mortes. Escravizou o Oriente, enquanto o seu primo direito, o socialismo, empobreceu grande parte do Ocidente. O nazismo - esse outro tipo de socialismo - e o seu antepassado mais domesticado, o fascismo, mataram cerca de 25 milhões de pessoas. Todos deixaram cicatrizes nas nossas sociedades que talvez nunca sarem totalmente.
Os proponentes destas ideologias envolveram-se em polémicas e, na verdade, em violência uns contra os outros. Mas tinham mais em comum do que admitiam. Pois a sua essência era que o Estado tinha o direito, aliás o dever, de agir como Deus. E os resultados foram diabólicos.”
(...)
“É claro que nem todos os ‘ismos’ são assim tão maus. O liberalismo, o individualismo e o capitalismo de livre iniciativa são, por vezes, também classificados como ideologias. Isso é discutível. Mas, por mais classificados que sejam, têm sido certamente muito mais benéficos do que o estatismo, a julgar por quase todas as medidas de felicidade e progresso humanos.”
(...)
“Mas gostaria de chamar a vossa atenção para um fenómeno menos dramático - a forma como a esquerda no mundo pós-socialista está a impulsionar a sua agenda por outros meios. O coletivismo avança agora muito mais através da regulação (muitas vezes regulação internacional) e através de programas de bem-estar social do que através dos velhos métodos do socialismo de Estado. (...) O engenho dos políticos e dos burocratas na conceção de meios para manter entre um terço e metade da riqueza dos nossos países nas mãos do Estado - mesmo quando as nossas economias estão a avançar numa onda de empreendedorismo e inovação - é verdadeiramente surpreendente. Mas, claro, a tentação de preferir a dependência confortável à vida extenuante de liberdade não é menor.Esta é talvez a ameaça mais grave a longo prazo para o Ocidente.”
Há 24 anos, na Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, no discurso de aceitação do Doutoramento Honoris Causa, Margaret Thatcher previu tudo o que está a acontecer-nos hoje.
Editor do Diário de Notícias