O apagão e a importância da rádio
Que me perdoem os leitores do Diário de Notícias mas esta semana a minha crónica vai ter um forte pendor pessoal.
Na segunda-feira fui apanhado pelo apagão eléctrico a caminho de um almoço com um bom e uma boa amiga. Dirigíamo-nos rumo a Paço de Arcos. A ausência de semáforos e o rádio do automóvel trouxe-nos a primeira referência noticiosa de que alguma coisa de grave se passava no país. Havia um apagão eléctrico. Em Portugal, em Espanha e noutros países da Europa. O nosso primeiro pensamento foi que estávamos perante um ataque cibernético com a assinatura de Putin. Mas a notícia não se confirmaria.
Decidimos cancelar o almoço e regressar ao centro da cidade. O trânsito já estava caótico, mas nos principais cruzamentos de Lisboa a Polícia Municipal já o geria facilitando a vida a muitos automobilistas. Primeira conclusão. A resposta das autoridades municipais foi rápida e eficaz.
Ao chegar a casa procurei um velho rádio a pilhas. Encontrei-o, mas não tinha baterias. Com o hábito de ter comigo, apenas, dinheiro de plástico tive de recorrer a uma loja de telemóveis de um cidadão indiano que não me conhecia. Expliquei-lhe situação e perguntei-lhe se me fiava quatro pilhas para o rádio. Sorriu compreensivo, pediu-me a morada e o número de telemóvel e entregou-me as pilhas com pagamento adiado. Segunda conclusão. Pode haver confiança e solidariedade de alguém que nunca conhecemos na vida.
Municiado com as pilhas liguei o rádio e a magia da comunicação tornou-se realidade.
Aquele pequenino rádio foi a minha companhia durante todo o período do apagão. Eu que dediquei muitos anos da minha vida profissional ao jornalismo na rádio, que construí e geri uma redação de rádio de língua portuguesa em Macau, sensibilizei-me com o regresso da magia da rádio ao meu quotidiano imediato.
Saltitei nas frequências, sintonizando várias estações de rádio, mas acabei por me fidelizar na Rádio Observador, um excelente projecto informativo.
McLuhan, um estudioso norte-americano dos meios de comunicação social, classificou a rádio como um meio quente. Quer isto dizer que a rádio nos convida ao uso da imaginação. Flui o pensamento dado que a imagem não está lá. Temos de recriar o acontecimento a partir da palavra que a rádio vai transmitindo. A rádio confere-nos a liberdade de reinventarmos a notícia, de a pensarmos, de a criticarmos connosco próprios, de meditarmos, tranquilamente, sobre o que estamos a escutar.
Enquanto as horas avançavam o fluxo informativo ia acontecendo. Ao início da tarde o Conselho de Ministros estava reunido e a resposta do Governo era eficaz. Mas a da oposição também. Montenegro tinha informado Pedro Nuno Santos da situação. Este pedia mais celeridade e informação da Protecção Civil. Cumpria o seu papel de oposição. O diálogo é uma boa prática, que deveria estender-se a outras situações nacionais. Para se afirmarem projectos políticos não é preciso estar sempre com duas pedras na mão. Falar sobre as urgentes questões nacionais é um bom princípio. Como é habitual quem esteve mal foi o suspeito do costume. André Ventura achou que o governo tinha-se atrasado na reacção ao acontecimento. Não é verdade. O governo reagiu bem e acompanhou a situação nas suas diversas componentes. Foi esclarecedor, decidiu bem ao visitar a REN, foi informando a população e as instituições da evolução da situação. Manteve os contactos institucionais que tinha de manter com o Parlamento e o Presidente da República. E o meu pequenino rádio ia-me falando de todo este precioso fluxo informativo.
Quando a noite chegou e ficou escuro como breu a Ucrânia veio-me à memória. Pensei o que deve sofrer aquele povo. Os mísseis, os drones, os ataques sistemáticos de um rufia (usando a terminologia de Biden) com megalomanias territoriais e uma vergonhosa falta de respeito pelas leis da convivência internacional. A partir da minha escuridão imaginei o sofrimento causado a uma população que apenas quer ter a dignidade de decidir o seu destino em liberdade.
Com a noite já bem preenchida o meu pequenino rádio falava-me do regresso da luz a alguns pontos do país. Abrantes já estava iluminada. Tínhamo-nos começado a libertar de dependência espanhola onde vamos buscar energia para poupar uns trocos. Mira Amaral, antigo ministro da Indústria, punha o dedo na ferida energética. António Costa andou a fechar centrais a carvão, apressadamente, sem cuidar de antes construir alternativas. Seguramente no exercício de bom aluno perante Bruxelas e a pensar em tudo menos no interesse nacional.
A noite já beijava a madrugada quando o meu candeeiro da sala voltou à vida. O meu pequenino rádio, alegremente, ia-me elencando as cidades que estavam a ganhar luz. O país, paulatinamente, regressava à normalidade possível. Crescia o número dos milhões de portugueses que já estavam iluminados.
Tranquilo, desliguei o meu precioso rádio. Guardei-o cuidadosamente. O apagão tinha trazido ao meu quotidiano, ao de todos nós, a importância da rádio.
Jornalista