O almirante 'outsider'

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O almirante Gouveia e Melo foi um dos 51 oradores que nos honraram com a sua participação na grande conferência que o Diário de Notícias promoveu esta segunda-feira, 9 de dezembro, em Lisboa, sobre o novo regime de cibersegurança. A conferência teve uma grande afluência e, como é natural, o almirante foi uma das personalidades que mais chamaram a atenção dos jornalistas presentes, juntamente com o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que fez a intervenção de abertura (ver notícia nas páginas 4 a 7 desta edição).

À saída do evento, o almirante foi rodeado pelos muitos jornalistas presentes, que lhe colocaram questões sobre a eventual candidatura presidencial. O elevador demorou alguns minutos a chegar, durante os quais o almirante recusou responder a quaisquer questões, sem medo do silêncio incómodo que por vezes nos leva a dizer algo só para quebrar o gelo. Enquanto isso, o seu segurança mantinha os jornalistas afastados. Um camarada dizia a outro, meio a brincar, meio a sério: “Habitua-te.”

Aos olhos das elites políticas e mediáticas, o almirante é um outsider e o seu favoritismo nas sondagens constitui um desafio tanto para o PSD como para o PS. Mas dificilmente Gouveia e Melo poderá ser considerado um radical ou uma ameaça à democracia, a fazer fé nas declarações que tem feito a vários meios de comunicação ao longo dos anos.

O almirante demonstra ser, a vários níveis, um moderado. E a forma como intervém em público e a sua aparente vontade de meter o país nos eixos, trazem à memória líderes reformadores como Cavaco, Sócrates ou Passos Coelho. Não por acaso, este último surge em segundo lugar nas sondagens para as Eleições Presidenciais, atrás apenas do almirante, confirmando que, após quase uma década de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém, muitos querem um Presidente com um perfil diferente.

Porém, as características pessoais que explicam a vantagem de Gouveia e Melo nas sondagens serão, ao mesmo tempo, o principal fator de incerteza. O Presidente da República não tem poderes executivos e o exercício da função assenta sobretudo na sua capacidade de influência sobre o Governo e os partidos, numa tradição que remonta à velha figura do monarca constitucional que detinha o poder moderador. Se for eleito, Gouveia e Melo terá a seu favor a legitimidade democrática, mas isso poderá não ser suficiente para levar a água ao seu moinho. E se fizer uma interpretação da Constituição que nos conduza de volta aos Anos 70, arriscará contribuir para a instabilidade política.

Alguém imagina, por exemplo, que se o Presidente fosse Gouveia e Melo o ministro Paulo Rangel teria ficado incólume após o recente incidente com as chefias militares em Figo Maduro?

O futuro dirá se, caso seja eleito, Gouveia e Melo saberá “jogar o jogo”, mas uma coisa parece certa, a relação entre Belém e São Bento será muito diferente daquela a que, com diferentes variações, nos habituámos a assistir nos últimos 40 anos.

Diretor do Diário de Notícias

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