Nós e os alemães

Publicado a

Se alguém tiver dúvidas do que valem os alemães, pense só nas célebres palavras de desespero atribuídas a Augusto, a pedir ao seu comandante Varo que lhe devolva as legiões perdidas. Nessa Batalha da Floresta de Teutoburgo travada há dois mil anos, Hermann (Arminius para os romanos) derrotou três legiões romanas e praticamente impôs o Reno como o limite do Império.

Claro, que é preciso ser ousado para equiparar a moderna Alemanha às tribos às quais Roma chamava bárbaros, mas a Antiguidade, e a centralidade, dos povos germânicos na Europa é inquestionável. Ao número sempre souberam acrescentar engenho e talento, e é isso que explica o permanente regresso em força, mesmo depois dos piores momentos, como foram neste século e meio desde a unificação alemã de 1871 as duas Guerras Mundiais.

O atual momento de estagnação económica não impede que se trate, hoje, da maior economia europeia, e da terceira do mundo, só atrás dos Estados Unidos e da China. E prevê-se que a recuperação esteja já a caminho, o que é uma boa notícia para o resto da Europa, e muito em especial para Portugal. Em 2024, a Alemanha passou a ser o segundo maior destino das nossas exportações, ultrapassando a França, e ficando só atrás da Espanha.

Além de parceiro comercial importante, a Alemanha conta-se entre os grandes investidores em Portugal, e não falta, ao longo dos anos, quem destaque que, depois do Estado, são as empresas alemãs o maior empregador no país. A Autoeuropa é, evidentemente, o gigante, mas não se fica por aí a presença germânica em Portugal. Continental e Bosch são outros nomes que me ocorrem de imediato. E numa altura em que a União Europeia se mostra decidida a investir forte na Defesa - reação tanto à invasão russa da Ucrânia como ao facto de os Estados Unidos se mostrarem mais interessados noutras geografias - a indústria alemã tem tudo para ser a tal locomotiva tão falada dos 27. Tudo razões para Portugal reforçar a parceria, e até aprender com alguns bons exemplos alemães, não só ao nível das empresas, mas também na política.

Uma vez mais, os dois maiores partidos alemães, embora concorrentes ideológicos, foram capazes de se entender para dar um governo estável ao país. A novidade desta Grande Coligação, que não é uma raridade como a nossa experiência de Bloco Central nos anos 1980, é que os democratas-cristãos do chanceler Friedrich Merz estão coligados com um partido social-democrata que, pela primeira vez, está remetido à posição de terceira força no Bundestag.

Quem chefia os governos tanto em Lisboa, como em Berlim pertence à mesma família política europeia e isso só os pode aproximar. Também relevante é o conhecimento que tem da Alemanha a nova embaixadora Madalena Fischer, uma diplomata experiente que nos últimos anos teve o desafio de representar Portugal em Moscovo. Curiosamente, também a Alemanha tem uma embaixadora em Lisboa, Julia Monar, que num português fluentíssimo, na entrevista que deu ao DN quando chegou, relembrou as excelentes relações bilaterais e os 50 mil postos de trabalho criados pelas empresas alemãs em Portugal.

Festejemos, por estes dias, a vitória da seleção de futebol sobre a Alemanha, uma equipa que nos habituámos a ver como quase invencível, tão poderosa que é com os quatro títulos mundiais e os três europeus. Mas pensemos sobretudo em como ter a poderosa Alemanha como parceiro estratégico (embora não exclusivo) para enfrentar os desafios que a realidade geopolítica, e não só, nos vai trazer nos próximos tempos.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

Diário de Notícias
www.dn.pt