Não somos todos iguais

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Em todas as actividades e profissões há os muito bons, os bons, os razoáveis e os medíocres. Claro que também existem os excepcionais e os maus. Vejamos o exemplo dos futebolistas profissionais e não confundamos o profissionalismo com a qualidade.

Ronaldo só temos um, é um caso raro, felizmente muito bons já temos uma centena, mas a esmagadora maioria são apenas bons, razoáveis ou apenas esforçados. Na Selecção Nacional jogam apenas os muito bons. Há em todas as profissões as mesmas diferenças. Na política, na advocacia, na arquitectura, na carpintaria, nos cozinheiros, a lista seria interminável. Mas há profissões às quais não podemos permitir que tenham acesso os incompetentes, porque se assim for, a vida de muitos pode estar em risco. Os pilotos de aviação civil são um exemplo paradigmático. Por isso a selecção é rigorosa, e para garantir a competência são exigidas muitas horas de voo e certificações em simuladores sofisticados. Mesmo assim, alguns (muitos?) dos acidentes mais mortíferos são por erro humano, não há volta a dar.

Escolhi e exerci uma profissão, onde o erro pode ter consequências dramáticas. Mas ter sido médico cirurgião no século XX e já no século XXI, permitiu que muitos dos erros que poderia ter cometido fossem evitados. Desde logo ao exercer num ambiente fortemente hierarquizado, tutelado, em equipas multidisciplinares, onde as decisões terapêuticas não são individuais, e têm de ser colegialmente aceites e validadas. E a execução técnica das intervenções cirúrgicas tem de ser garantidas pela repetição sistemática das mais difíceis e delicadas operações.

Tal como aos pilotos da aviação civil são exigidas horas de voo mínimas para garantir eficácia e competência, aos cirurgiões deviam ser exigidas, para as mais delicadas operações, casuísticas que mantenham a capacidade formativa e a exigida competência. Por isso lutei e ainda luto, pela especialização em cirurgia, pelo exercício da minha profissão em equipas multidisciplinares fortemente hierarquizadas.

A formação dos pilotos, é um exemplo a seguir. Não se passa de piloto de um avião com umas determinadas características, para outro, sem o treino de muitas horas em simulador, e de exigentes exames tutelados. Grandes casuísticas em determinadas patologias são fundamentais para garantir competência aos cirurgiões.

E voltemos ao futebol. Poderá haver um ou dois cirurgiões “Ronaldos”, mas temos é de tentar garantir que todos os cirurgiões que formamos possam jogar na selecção nacional. Haverá sempre quem falhe um golo fácil ou dê um frango, haverá sempre o erro inevitável. Mas aos cirurgiões de alta competição, têm de ser garantidos relvados impecáveis, equipas com elevado profissionalismo, treinadores competentes, e muitos treinos e muitos jogos com elevada dificuldade.

Claro que os grandes cirurgiões, que jogam em grandes equipas, não auferem milhões. Tal como grandes outros profissionais das mais variadas actividades. Mas que diabo, os médicos, que jogam nos relvados do SNS, sejam ou não cirurgiões, merecem ver os seus salários revistos e aumentados.

Cirurgião.

Escreve com a antiga ortografia

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