Não somos biombos de sala

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Em 1979, Maria de Lurdes Pintassilgo tornou-se a primeira mulher à frente do governo português. Foi a segunda a desempenhar o cargo na Europa, depois de Margaret Thatcher. O que poucos saberão é que o protocolo a obrigou a assinar sempre como "primeiro-ministro". Assim, no masculino. Depois dela, apenas Mariana Vieira da Silva foi temporariamente primeira-ministra, em substituição de António Costa.

Recorro a uma memória de Anabela Mota Ribeiro que um dia viu Pintassilgo na televisão a recusar mais perguntas porque tinha de ir fazer o jantar. Meio século depois, o ambiente político-social mudou. Há mais de 30 anos que Portugal tem mais mulheres licenciadas do que homens. Nos doutoramentos, a tendência é a mesma. Temos mulheres líderes partidárias, que integram governos ou são CEOs, mas muitas continuam a ter de fazer o jantar. Ainda não atingimos a igualdade.

É certo que as políticas, muitas dos governos PS, têm ajudado a promover mudanças rumo à igualdade, dentro e fora de casa: da Lei da Parentalidade ao reforço da conciliação entre vida pessoal e profissional, passando pela gratuitidade das creches. Já reconhecemos a Interrupção Voluntária da Gravidez como direito, mas ainda não regulámos o direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde, deixando que a colisão entre os dois possa limitar a escolha das mulheres. E continuamos reféns violência doméstica, o crime mais reportado no país. Até final de janeiro de 2025, pelo menos, 5 mulheres foram mortas por homens, o que mostra como é urgente reforçar a proteção das vítimas e a responsabilização dos agressores.

Também é verdade que, desde 1990, a lei consagra “trabalho igual, salário igual” e que as assimetrias até têm vindo a baixar, mas as mulheres ainda ganham, em média, menos 13,2% do que homens nas mesmas funções. Uma diferença que sobe para mais de 25% em trabalhos qualificados.

A maior esperança de vida das mulheres também contrasta com as suas menores pensões, reflexo de carreiras contributivas mais curtas e interrompidas, e do invisível trabalho doméstico e de cuidadoras que é urgente reconhecer. Não, ainda não atingimos a igualdade, por isso
persistimos.

Estudos demonstram que a presença equilibrada de mulheres e homens nos cargos de decisão leva a políticas mais eficazes e justas. Apesar disto, nas autarquias, a disparidade de género ainda é muito acentuada. A escolha de Alexandra Leitão como candidata a Lisboa, de Ana Mendes Godinho a Sintra, e de Ana Sofia Antunes a Oeiras, demonstra o compromisso do PS com uma representação justa da sociedade na região. Foi do PS o primeiro governo paritário e é do PS o esforço em conseguir paridade em cabeças de lista, quer em legislativas, quer em autárquicas,
como aconteceu nas últimas duas eleições em Lisboa.

A história da igualdade de direitos é um processo contínuo, no qual o PS tem sido timoneiro e o papel dos homens importa. Como no caso de Beatriz Ângelo, cuja coragem fez com que fosse a primeira mulher a votar em Portugal, também graças à sentença favorável do juiz João Baptista de
Castro que lhe reconheceu esse direito. A luta pela igualdade sempre foi uma construção conjunta, onde a solidariedade entre homens e mulheres faz a diferença. E é exatamente isso que queremos para o futuro.

Não, ainda não atingimos a igualdade, mas como cantou Zeca Afonso “mulher na democracia não é biombo de sala”. E nós não voltaremos a sê-lo.

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