Não se aceita. Ponto.

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A respeito do caso recente de duplo homicídio e suicídio presenciado por um bebé de 16 meses, que a todos nos inquieta e interpela na tentativa de encontrar soluções para esta criança, refletimos esta semana sobre o que poderá vir a acontecer. Terá memórias desta vivência traumática? Que variáveis poderão mediar o impacto desta situação, a curto, médio e longo prazo?

Neste tipo de situações, a imaturidade inerente à idade acaba por ser um fator protetor, na medida em que diminui a probabilidade de a criança manter memórias claras sobre esta vivência. Mas, mesmo na ausência de memórias mais conscientes, as vítimas de situações traumáticas mantêm, muitas vezes, memórias que podem vir a ser ativadas mais tarde, podendo ter diversos gatilhos – como um cheiro, uma imagem ou uma sensação. Não raras vezes, também, as crianças que experienciam condições adversas evidenciam alterações de comportamento ou humor (por exemplo, maior apatia ou agressividade, birras mais difíceis de gerir, ansiedade de separação), bem como alterações nos padrões de sono (sendo frequentes os pesadelos). Outras, ainda, reproduzem nas suas brincadeiras a situação vivida, traduzindo a reexperiência da mesma.

Tendo em conta o risco de uma criança tão nova vir a manifestar um conjunto de sinais e sintomas indicadores de trauma, revela-se importante identificar as medidas de apoio que poderão minimizar esta possibilidade.

Desde logo, é fundamental que esta criança possa beneficiar dos cuidados de um ou mais adultos de confiança, que exercem aqui um papel contentor e reparador essencial ao seu desenvolvimento mais saudável. Sejam familiares com quem já mantém uma relação afetiva prévia (por exemplo, elementos da família alargada – como os avós paternos, a quem está provisoriamente entregue), sejam outros cuidadores que possam providenciar um clima de atenção especial individualizada (e aqui destaca-se a importância do acolhimento familiar).

Ou seja, deparamo-nos com uma situação em que o potencial traumático da mesma vai depender, em grande medida, da resposta do sistema profissional, que se exige célere, articulada e eficaz.

Destacamos ainda a importância do apoio especializado, não apenas a esta criança – e que deve manter-se ao longo do tempo, de forma a monitorizar a sua evolução –, mas também aos seus cuidadores, para que sejam ajudados na gestão dos desafios que, certamente, surgirão. A criança irá crescer e fazer perguntas, às quais é preciso saber o que e como responder.

A “aldeia” que é necessária para educar uma criança vai ter de ser ainda mais eficaz neste caso.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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