As palavras que ecoaram neste domingo em várias cidades portuguesas - “Não temos medo” - em homenagem ao ator Adérito Lopes, agredido por um suspeito de 20 anos investigado por alegadamente estar ligado a grupos violentos de extrema-direita -representam um grito de resistência e lucidez. Não, não temos medo, porque há mais força na democracia do que no ódio. Não, não temos medo, porque há mais gente disposta a defender a liberdade do que a destruí-la.Mas este grito é também um aviso. O que se passou não é um caso isolado. É o mais visível dos sinais de que a extrema-direita criminosa em Portugal perdeu a vergonha, como vimos no 25 de Abril, em os seus membros não se coibiram sequer de atacar a polícia. Está a testar até onde pode ir sem consequências. O ataque a Adérito Lopes soma-se a slogans nazis em protestos, murais antifascistas vandalizados, discursos de ódio espalhados online e intimidações cada vez mais visíveis.Mas não basta indignarmo-nos com as vítimas. É preciso falar daquilo que o Estado já faz - e daquilo que continua a faltar.Sim, a Constituição é clara contra organizações racistas e fascistas. A Polícia Judiciária tem feito o seu trabalho: dezenas de detenções nos últimos anos, desmantelamento de células extremistas, apreensões de armas e condenações históricas, como a do racista neonazi Mário Machado. A PSP e a GNR têm estado nas escolas com milhares de ações de sensibilização, levando temas como discurso de ódio e literacia digital aos alunos. O Serviço de Informações de Segurança (SIS) está atento, como tem demonstrado o seu diretor-geral.Contudo, não basta que estes façam o seu trabalho se o Sistema de Segurança Interna, responsável por executar a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT), que prevê várias medidas de prevenção dos extremismos violentos, optar por silenciar partes da realidade. Já aqui referimos, mais do que uma vez, o episódio recente da omissão, no RASI 2024, de referências aos grupos de extrema-direita detetados em Portugal (como o Blood & Honour). Não reconhecer o inimigo é o primeiro passo para deixá-lo crescer. Quando o Estado suprime dados, não comunica com clareza os riscos, nem atua com transparência perante a radicalização - produz um silêncio institucional que deixa os cidadãos desconfiados.No âmbito da ENCT de 2015, e revista em 2023, está prevista, além das ações de sensibilização realizadas, a criação de uma rede nacional de denúncia comunitária, fundamental para que cidadãos, escolas e organizações possam, em modelo de deteção precoce, reportar sinais de radicalização, que ainda não foi concluída.E falta também uma avaliação independente da eficácia das medidas em curso. Sabemos quantas ações foram feitas, mas não quantos riscos foram evitados. Ficamos com estatísticas de sessões em escolas, mas quantos radicalizados foram travados? Quantos grupos foram neutralizados ? Quem está a medir resultados?É motivo de reflexão quando ouvimos o diretor do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim, em entrevista ao Expresso desta semana, alertar para os sinais preocupantes vindos sobretudo das sessões escolares. “Aí, vê-se que os comentários têm um tom bastante politizado, de defesa extemporânea de movimentos políticos ligados à direita radical.” E acrescenta: “Gestos como saudações nazis e palavras de incitação ao ódio contra quem está em palco, pessoas que se levantam a meio da peça e vociferam, ou que invadem as conversas prévias” tornaram-se mais comuns. Penim fala de um “aval do poder político” que banaliza o que noutros países é claramente proibido. Não era precisamente estas radicalizações que deveriam estar a ser detetadas e combatidas?Portugal tem tudo para fazer frente à ameaça. Tem leis. Tem altos-dirigentes policiais e de informações empenhados. Tem uma Constituição que sabe distinguir liberdade de ódio. Mas falta mais determinação política para enfrentar este problema sem filtros, sem receios, sem silêncios e sem confundir a população com comparações fúteis e não-baseadas em factos. Há uma diferença clara e quantificável: a extrema-direita representa hoje o risco mais organizado, mais violento e ideologicamente mais perigoso para a democracia portuguesa.“Não temos medo” não é apenas uma resposta emocional a um crime. É uma exigência racional de coragem política, de transparência estratégica e de justiça ativa. Quem é alvo de ódio não pode continuar a viver com a dúvida sobre se o Estado está mesmo do seu lado. E quem propaga esse ódio tem de saber que o Estado não hesitará em intervir - com leis, com ações e com memória. Se queremos continuar a dizer que Portugal é uma democracia firme e saudável, então a extrema-direita violenta - tal como extremistas de esquerda, quando assim suceder - tem de ser enfrentada. Com leis, com Educação, com tribunais. E com a verdade: o medo não nos paralisa - mas a indiferença pode destruir tudo o que construímos.