Não há plano B para Zelensky sem Trump
É um erro interpretar o que se passou sexta-feira na Casa Branca em simples termos de admiração pela resistência de Volodymyr Zelensky e de indignação pela aversão de Donald Trump ao protocolo diplomático. E se para o presidente ucraniano é reconfortante o apoio de líderes como o britânico Keir Starmer, que entretanto já o recebeu no n. 10 de Downing Street, assim como a solidariedade da maioria dos ucranianos, a prioridade tem de ser manter a relação estratégica com os EUA.
As mãos na cabeça da embaixadora ucraniana em Washington, Oksana Markarova, à medida que a conversa de Zelensky com Trump e também o vice-presidente JD Vance se transformava num bizarro espetáculo televisivo, não tinha apenas que ver com a quebra do protocolo diplomático, mas também com o desafio de salvar o que pode ser salvo. Por muito que os países europeus, seja o Reino Unido sejam os grandes da UE, proclamem que estarão até ao fim com a defesa da soberania e da integridade territorial ucraniana, não é imaginável um plano B para a Ucrânia que não continue a incluir os EUA.
O apoio militar europeu a Kiev tem sido significativo, mas as armas que chegam da América ainda mais, e de várias formas. Muito do armamento que os europeus cederam aos ucranianos até é de fabrico americano, como os F-16. Noutros casos, a envolver os países da NATO que são ex-membros do Pacto de Varsóvia, foi o fornecimento de material moderno americano para substituir velho armamento soviético que permitiu ceder este último aos ucranianos. Esta importância dos EUA na disponibilização de armas tanto aos aliados da NATO como à Ucrânia em guerra aberta com a Rússia desde 2022 não é nada surpreendente se pensamos que seis das dez maiores empresas mundiais de armamento são americanas e apenas uma é europeia.
Nunca esquecer também que o orçamento militar americano é superior à soma dos outros 31 membros da NATO.
No esforço de guerra ucraniano, enfrentando um inimigo mais poderoso a todos os níveis, o armamento americano tem sido, pois, essencial, seja com os mísseis ATACMS, que no ano passado permitiram atacar alvos na própria Rússia, seja com os javelins usados com inegável êxito contra os tanques russos que tentavam chegar a Kiev, e que Trump até relembrou no meio da discussão com Zelensky terem sido fornecidos durante o seu primeiro mandato.
A popularidade interna de Zelensky, depois de uma vitória esmagadora nas presidenciais de 2019, estava em queda quando a Rússia lançou o ataque há três anos e logo atingiu níveis recorde, voltou a recuperar e muito a seguir à acusação de Trump de que a responsabilidade da guerra era dos ucranianos. Portanto, adivinha-se que esteja novamente em alta entre o seu povo depois da forma como o líder ucraniano resistiu às investidas verbais dos número um e número dois do país mais poderoso do mundo, incluindo a que acusava Zelensky de estar a arriscar uma Terceira Guerra Mundial. Porém, o apoio popular não desmente a dificil situação diplomática da Ucrânia, que viu a firmeza anti-Moscovo de Joe Biden ser substituída por uma vontade de negociar com Vladimir Putin que Trump nunca escondeu, e até realçou durante a campanha que o fez regressar agora à Casa Branca.
Petro Poroshenko, ex-presidente ucraniano, o candidato derrotado em 2019 pelo atual presidente, evitando criticar Zelensky pelo sucedido na Casa Branca, disse esperar que o seu sucessor tenha um plano B. E que as relações entre a Ucrânia e os EUA não se podiam resumir à relação entre Zelensky e Trump. Será esse plano B, de minimizar os danos e tentar manter a parceria com Washington, que Zelensky já começou a executar, através de mensagem no X e de uma entrevista à Fox News, num tom de agradecimento aos americanos, mas sem ir ao ponto de pedir desculpas a Trump como exigiu o secretário de Estado Marco Rubio. Parte desse plano B será também passar a mensagem a Trump de que os europeus não aprovam o tratamento que lhe foi dado, e que a sua presença na reunião deste domingo em Londres com o primeiro-ministro britânico, também o (ainda) chanceler alemão Olaf Scholz, o presidente francês Emmanuel Macron ou o primeiro-ministro polaco Donald Tusk, significa que há uma determinação alargada de recusar uma vitória de Putin.
O plano B de Zelensky necessitará de muita imaginação, mas nunca será bem concretizado se apostar tudo nos aliados europeus e negligenciar os americanos. Não há um plano B para a Ucrânia depois da discussão com Trump que não passe pela inclusão da América de Trump. Essa é a realidade. Com ajuda da sua diplomacia, com apoio dos europeus, com o contributo também de importantes parceiros americanos, há que reatar as conversas com Trump. E procurar que este, na sua ânsia de promover a paz, entenda que não é do interesse dos EUA, nem bom para a sua imagem de estadista, que pareça que Putin saiu vencedor em toda a linha.