Não faças como eu faço, nem oiças o que eu digo

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No final do seu mandato como presidente dos Estados Unidos Barack Obama recebeu um doutoramento honorário e proferiu a chamada “oração de sapiência”, um discurso que se espera inspirador para estudantes que acabam os seus cursos. Depois de discutir a interconectividade do mundo, os desafios das alterações climáticas e as características do sistema democrático americanos, Obama chama a atenção para o que deveria ser óbvio, mas que está a tornar-se um problema sério nas sociedades modernas. Disse ele que, “na política e na vida, a ignorância não é uma virtude! Não saber do que estamos a falar não é desafiar o politicamente correto, é não saber do que estamos a falar”.

Tony Blair, relata uma experiência semelhante: num debate sobre as consequências do Brexit, alguém o acusou de ser um elitista por achar que sabia mais sobre o assunto do que os eleitores que escolheram sair da UE. Blair respondeu que, vivendo numa democracia, o seu voto tinha exatamente o mesmo valor que o voto de qualquer outra pessoa, mas tendo sido primeiro-ministro do Reino Unido durante 10 anos saberia certamente mais do assunto do que alguém que não tivesse dedicado tempo e esforço a estudar o assunto.

No discurso para a universidade, Obama refletia sobre a credibilidade que reconhecemos a algumas profissões e não a outras. Dizia ele que, quando nos metemos num avião, queremos que o piloto saiba o que está a fazer, não vamos para a cabine discutir se o avião devia ir mais acima ou mais a baixo; mas quando se trata de desenhar políticas públicas não só achamos que todas as opiniões valem o mesmo, como nos recusamos a aceitar ou reconhecer os factos que contradizem as nossas posições.

No nosso país, a desconfiança sobre os factos que nos permitem desenhar e implementar as respostas de que precisamos para dar resposta às aflições que atravessamos também aparecem cada vez mais no discurso público.

Na semana passada, na conferência que marcou os 160 anos de existência do DN, o diretor da Polícia Judiciária referiu que o número de estrangeiros presos em Portugal é muito menor do que pensa a opinião pública e a mesma informação é confirmada pelo último Relatório Anual do Observatório das Migrações. E, no entanto, quem percorrer as sacrossantas redes sociais vais encontrar um sem número de comentários a dizerem que o diretor da PJ não sabe do que fala (na versão benigna) ou que está pura e simplesmente a mentir (na versão mais militante).

Nós vivemos numa democracia, o que significa que, como dizia um ex-senador americano, todos temos direito às nossas opiniões, mas não temos direito aos nossos factos. Se as opiniões que originam as nossas políticas não se baseiam em factos, não há democracia que sobreviva.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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