Novo Banco: uma coisa é ser liberal, outra é ser parvo

Publicado a

O almirante entrou em força numa campanha eleitoral que se tem destacado pelo facto de ser das mais aborrecidas de que temos memória. É uma campanha onde os principais partidos não conseguem fazer mais do que pregar aos convertidos e em que os eventos mais marcantes dos últimos dias foram um jogo de voleibol e um episódio de refluxo gastroesofágico (a.k.a. “azia”) associado a um pico hipertensivo. Naturalmente, o passo em frente do almirante agitou as águas durante umas horas, embora não tenha constituído propriamente uma surpresa.

Gouveia e Melo confirmou a sua candidatura com a promessa de agir de forma diferente da do atual Presidente da República e de ajudar a criar as condições para as reformas estruturais de que, em sua opinião, o país necessita. Podemos discutir a oportunidade deste anúncio, em plena campanha para as legislativas, mas os temas que Gouveia e Melo tem levantado - como a necessidade de uma estratégia para o país num contexto internacional marcado pela incerteza e por novas ameaças - são relevantes e deviam ser debatidos na campanha para as legislativas. Infelizmente, aquilo a que temos assistido é sobretudo a mais do mesmo, o que ajuda a explicar também o interesse que a intervenção de Gouveia e Melo suscitou, pelo contraste face ao que tem sido dito na campanha eleitoral.

Há, no entanto, exceções honrosas, como as tomadas de posição da IL, do BE e do PCP no podcast Soberania, do DN (ver páginas 12 e 13 desta edição), sobre a entrada de capital estrangeiro em sectores estratégicos da nossa economia. Deve Portugal permitir que atores estatais, para mais de países não-europeus, tenham participações relevantes em áreas como as redes energéticas, as infraestruturas de telecomunicações e, porque não, o sector financeiro? A questão é muito atual e creio que a resposta deve variar consoante o caso concreto.

No sector financeiro, está em cima da mesa a venda do Novo Banco. O cenário de uma colocação em bolsa é cada vez menos provável, pelo menos nos próximos meses, devido à incerteza que reina nos mercados. Ganha por isso força a possibilidade de uma venda direta a um concorrente do sector, como os espanhóis Caixabank e A Banca, o BCP e a CGD. O mundo mudou muito nos últimos anos e a frase “uma coisa é ser liberal, outra é ser parvo”, proferida em tempos por Henrique Granadeiro, ganhou novo significado e relevância. Quem comprar o Novo Banco ficará com uma posição fortíssima no crédito às empresas portuguesas. E todos vimos o que os bancos estrangeiros fizeram quando Portugal entrou em bancarrota, em 2011, reduzindo de imediato a exposição ao risco do país. Se não fossem os bancos com centro de decisão em Portugal - com apoios públicos - a nossa saída da crise teria sido muito mais difícil. Porém, ninguém fala deste tema na campanha.

Diário de Notícias
www.dn.pt