Novas funções para um Estado moderno
A reforma do Estado é, paradoxalmente, um dos temas malditos da política portuguesa. Digo paradoxalmente porque, apesar do imobilismo ou casuísmo, são significativas as razões que justificam que a este tema se confira prioridade.
Em primeiro lugar, por razões orçamentais. Um país que exibe níveis aflitivos de dívida pública, atingindo 136% do PIB, e níveis incomportáveis de carga fiscal, não pode deixar de fazer depender o seu equilíbrio orçamental anual, assim como a capacidade de refinanciar e amortizar a dívida acumulada, da redução da despesa pública (que aumentou de 37 mil milhões de euros, em 1995, para 98 mil milhões, em 2020). Em segundo lugar, por razões de emergência social. Os sérios problemas de desigualdade territorial e social requerem um reforço das políticas públicas na promoção da igualdade de oportunidades, da solidariedade intergeracional e do apoio aos mais desfavorecidos. Disso são exemplo a insustentabilidade do sistema de pensões, a pobreza infantil (que afeta 20% das crianças), a rigidez social (cinco gerações para chegar à classe média), as baixas qualificações, as disparidades no acesso aos serviços de saúde e de educação, os salários baixos e a precariedade no mercado de trabalho. Em terceiro lugar, por razões demográficas. Se hoje já somos um dos países mais envelhecidos da UE, em 2070 seremos um país com menos 2 milhões de pessoas, agravando-se a insustentabilidade do Estado social e o dinamismo da economia. Em quarto lugar, por razões de resiliência. Os novos desafios globais - como as alterações climáticas, a destruição de biodiversidade, o ciberterrorismo e as pandemias - exigem uma maior capacidade do Estado na prevenção, no planeamento e na gestão de crises.
A verdade é que, apesar destes fatores de urgência, as diversas iniciativas de reforma e de modernização do Estado, desenvolvidas nas últimas décadas, foram de natureza parcelar, mais ditadas por razões de contexto (em torno de iniciativas de urgente corte na despesa, melhoria da eficiência operacional ou de reformas de políticas setoriais) do que por uma autêntica redefinição das funções do Estado. À míngua de densidade programática, realismo e espírito de compromisso entre as forças políticas, foi sobrando o acerto de contas ideológico e as infindáveis querelas constitucionais.
Logo, antes de partirmos novamente para intervenções avulsas e fraturantes, ditadas pela emergência ou pela partidarite, interessa encontrar um compromisso em torno de princípios e de orientações para a modernização do Estado. Precisamos de um Estado capaz de assegurar plenamente as suas indeclináveis funções de soberania. Precisamos de um Estado que, na área social, nomeadamente na saúde e na educação, seja um promotor de prestações mais próximas e mais adequadas a cada cidadão, promovendo a liberdade de escolha dos cidadãos e a concorrência entre os vários prestadores de serviços (estatais, privados e do setor social), garantindo o acesso universal a serviços de qualidade. Tal pressupõe uma visão mais abrangente de rede e de sistema nacional (que não se deve confundir com a noção de serviço nacional estatal), assim como uma nova lógica de financiamento em função dos resultados alcançados e não do somatório de custos administrativos. E precisamos de um Estado que, na área económica, se concentre na criação de condições para uma economia aberta e competitiva, reconhecedora do mérito e do empreendedorismo, assente na concorrência, na não discriminação e na transparência. Sendo que o papel de fomento do Estado, que não se deve confundir com qualquer tentação de se substituir à iniciativa privada ou de gerar "campeões nacionais", tem de ser assegurado, nomeadamente, no investimento público (de forma seletiva e capaz de alavancar investimento privado) e em áreas de evidente falha de mercado.
Como preconizado no nosso "Manifesto para Um Estado Moderno", coordenado por Abílio Morgado e Hélder Rosalino, precisamos de um Estado digno, que dignifique os cidadãos e promova a equidade social, liberte a iniciativa da sociedade civil e fomente o crescimento económico.
Presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável