Nova Estratégia Nacional para pessoas em situação de Sem-Abrigo: Um passo necessário, mas insuficiente!

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Mais de 13 mil pessoas estavam registadas em situação de sem-abrigo no final de 2023, pelo que foi realmente uma lufada de ar fresco que o nosso atual Governo tenha finalmente apresentado uma nova estratégia nacional para lidar com esta questão. No entanto, considerando os resultados de promessas passadas de outros executivos, o que precisamos mesmo, mais do que boas intenções, são ações efetivas e não de promessas daquelas que se perdem no vento.

Nos últimos seis anos, o número de sem-abrigo cresceu mais de duas vezes. E o que está por trás disto? Uma combinação explosiva: inflação do preço das rendas, especulação imobiliária e a falta de respostas robustas em relação à habitação pública. A tudo isto juntam-se empregos precários, pensões miseráveis e um apoio social quase irrisório; o Rendimento Social de Inserção não chega a 240 euros... Um verdadeiro "now you see it, now you don’t"!  Portanto, os factos demonstram que as políticas públicas passadas alimentaram situações de vulnerabilidade extrema.

Um dado interessante do relatório de 2023 do Observatório Nacional da Pessoa em Situação de Sem-Abrigo é de que mais de um quarto destas pessoas até têm o pé no mercado de trabalho. Ou seja, os salários baixos são outro dos fatores críticos que induzem à precariedade habitacional. Como se isto não fosse suficiente, pela leitura do relatório ficamos também a saber que 57% dos que vivem nas ruas têm, no máximo, 44 anos. Ou seja, este é um problema que, claramente, não respeita idades.

Quanto à nova estratégia, o documento propõe uma colaboração com os municípios para criar um sistema de alerta e prevenção. Soa bem! Isso soa!!  Mas é crucial que funcione efetivamente. Criar uma plataforma de dados para identificar riscos é um passo positivo, mas a verdadeira virtude está na execução. Assim como a proposta de aumento do alojamento em modalidades como acolhimento de emergência e o modelo "housing first" são iniciativas encorajadoras, mas ainda estamos muito longe do ideal. É vital que as soluções sejam sustentáveis e, se possível, permanentes.

 Agora, vamos a uma das várias duras realidades, talvez a mais gritante: cerca de 60 a 70% das pessoas em situação de sem-abrigo estão em Lisboa, onde existem aproximadamente 30 mil pedidos de habitação, e as rendas médias na região fixam-se em torno de 1.500 euros... T1/T2 (numa versão casa dos anões da Branca de Neve).

A taxa de pobreza ou exclusão social, um indicador que a União Europeia utiliza para caracterizar as famílias em dificuldades, revela que, em 2024, 2,1 milhões de pessoas (19,7% da população) em Portugal se encontravam em pelo menos uma destas três situações: em pobreza monetária; em privação material e social severa; em afastamento do mercado de trabalho.

Em suma, embora iniciativas para retirar pessoas da rua sejam bem-vindas, não podem ser uma solução temporária com foco apenas em "paliar" a situação. Precisamos de políticas que abordem as causas profundas da pobreza, não apenas as suas manifestações.

A nova estratégia é, sem dúvida, um passo necessário, mas claramente insuficiente frente à gravidade da situação.

Cada pessoa merece um lugar seguro para chamar de lar. Precisamos de políticas que realmente façam a diferença, tratando as causas e não apenas os sintomas.

Precisamos da implementação de soluções que permitam um acesso real e sustentável à habitação, como o aumento da oferta de habitação pública e a proteção dos inquilinos contra a especulação imobiliária. Os factos não mentem, e é nossa, nesta geração, a responsabilidade de construir um futuro onde ninguém esteja sem teto.

Nádia Novais

*Assessora de Comunicação / Voluntária em associações de apoio a pessoas em situação de sem-abrigo

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