'Non', ou a vã glória de mudar
Em 1990, Manoel de Oliveira documentou, com épica ironia, uma série de momentos desastrosos da História de Portugal, do assassinato de Viriato à Batalha de Toro, de Alcácer Quibir à Guerra Colonial. Se o filme fosse mais recente, o argumento teria muito mais por onde escolher, incluindo episódios históricos menos militarizados, mas nem por isso menos trágicos, como a fase do resgate financeiro da troika, em 2011.
Dessa longa-metragem de má memória, salvou-se o protagonista que, na altura, negociou em nome do Governo português os 78 mil milhões de euros de empréstimos para reduzir o desequilíbrio das contas públicas e estabilizar a dívida do país. Esse protagonista, que aceitou ir além das imposições draconianas da própria troika (que cortou salários, serviços públicos e deixou num estado de indigência parte do país) preside há quatro anos aos destinos da Câmara Municipal de Lisboa, sem que se lhe conheça grande obra para além do Festival Tribeca e uma incomensurável dose de propaganda pessoal.
Depois de ter sido o rosto dos cortes impostos pelas instituições internacionais que tentaram fazer de Portugal um aluno exemplar, Carlos Moedas é agora a face do fracasso na gestão da autarquia. Não construiu qualquer escola nova, nem sequer melhorou as 28 que precisam desesperadamente de melhorias, embora tivesse verbas para isso. Não melhorou a mobilidade da cidade, apesar de essa ser uma prioridade gritante. Não construiu mais habitação do que o mandato anterior, apesar de ter financiamento como nunca para o fazer. Até mesmo a obra pela qual declarou que gostaria de ser recordado, o Plano Geral de Drenagem de Lisboa, lançado pelo anterior Executivo, está atrasado e sem fim à vista.
Com estes pergaminhos, não admira que o grande objetivo de Carlos Moedas seja agora ampliar a coligação à direita, na esperança de que a Iniciativa Liberal (IL) lhe dê o fôlego eleitoral que a gestão sofrível de Lisboa não conseguirá angariar. A única pedra no caminho, que eram as naturais expectativas do seu parceiro até agora, o CDS, foi resolvida com a desfiliação do seu leal vice-presidente, Anacoreta Correia, que está agora livre para surfar as ondas da mudança sem comprometer os centristas.
A esperança dos Novos Tempos, que em breve serão Novos Tempos Liberais, é o aproveitamento do sangue novo que a IL consiga transferir para um Executivo desgastado, cansado e ineficaz. Carlos Moedas precisa de ideias, de projetos e de uma visão que nunca teve para a cidade. Precisa de saber como vai tornar Lisboa acessível a quem aqui quer morar, sem hostilizar os proprietários de Alojamento Local, com quem fez lobby junto do Governo. Tem de conseguir investir nos transportes públicos sem irritar os automobilistas. De deixar de concentrar as respostas sociais para sem-abrigo numa única freguesia, como se fosse um gueto, e encontrar soluções para os toxicodependentes que regressaram às ruas. Tem de fiscalizar o incumprimento de horários em bares e restaurantes, que azucrinam os lisboetas e impedem o seu descanso.
Carlos Moedas tem menos de um mês para inventar um legado para deixar à cidade. Na falta de um, só com a vã glória de mudar de equipa, de política e de ambição poderá tentar reconquistar todos os que acham “poucochinho” o que fez pela cidade. Tão “poucochinho” que não ficará para a História, nem mesmo na categoria dos desastres.
Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara