No dia 19 de maio precisamos de adultos na sala
No início de fevereiro publiquei um texto no DN sobre as primeiras semanas da administração Trump, onde perguntava se não ficaria pedra sobre pedra do sistema internacional que, com altos e baixos, sucessos e também fracassos, nos acompanhou desde o fim da segunda guerra mundial.
No início de abril, a resposta parece cada vez mais clara…
- Os mecanismos de colaboração multilateral, que têm nas Nações Unidas o seu mais importante símbolo, desapareceram sem deixar rastro;
- O nosso sistema de defesa, construído numa parceria entre a América do Norte e a Europa, através da NATO, parece ter perdido os seus mecanismos de segurança coletiva numa altura em que uma guerra imperial se desenrola às nossas portas;
- A Organização Mundial do Comércio e o consenso sobre a importância e eficácia de uma globalização económica e comercial reguladas, que permitiu retirar milhões de pessoas da pobreza mais abjecta, terá sido atropelada pelas tarifas cientificamente absurdas e com impactos dramáticos que o Presidente dos Estados Unidos anunciou recentemente.
- A União Europeia estará a olhar muito seriamente para os desafios que enfrenta e os instrumentos de que dispõe, sabendo que já não lhe chega ser um gigante económico, se continuar a ser um anão político e uma inexistência militar.
E sem sequer falar nos outros desafios que não dependem exclusivamente do Presidente Trump, como as alterações climáticas ou a inteligência artificial. Portanto não. Não ficará pedra sobre pedra.
No meio deste caos, Portugal prepara-se para mais umas eleições legislativas e os partidos e coligações correrão o país de lés-a-lés, a tentar convencer-nos a votarmos nas respectivas propostas, que vão de um extremo ao outro da história das ideias políticas. É o que acontece numa democracia pluralista como a nossa e é saudável para o nosso sistema político que o façam.
Mas é preciso pensar que o sol nascerá na manhã de dia 19 de maio e os problemas e desafios que temos hoje não terão desaparecido. Assim, ganhe quem ganhar, o próximo governo terá que repensar muito da nossa política externa, política de defesa e política económica e comercial, com óbvias implicações para as opções orçamentais. E terá de ser capaz de construir um larguíssimo consenso com as outras forças políticas para adaptar os alicerces da nossa presença no mundo, onde a ONU, a NATO, a UE, a OMC e a CPLP representam as grandes opções moderadas e sensatas que têm guiado o nosso país, uma economia aberta e uma diplomacia multilateralista, nos últimos 50 anos.
No entanto, sempre que se fala num consenso nacional entre os partidos que representam o centro moderado, aparecem vozes a avisarem que isso resultaria no crescimento dos extremos. Importa, pois, lembrar que um consenso nacional entre partidos moderados não obriga a uma solução de governo, mas reclama a capacidade de olharmos para os enormes desafios que enfrentamos e sermos capazes de separar o trigo (onde nos teremos que entender) do joio (onde poderemos continuar a discordar). Por outro lado, as sondagens mostram que as nossas preocupações principais são o acesso à habitação e saúde e o custo de vida e que não estamos particularmente preocupados em saber se haverá um maior ou menos papel para o Estado ou para o Mercado.
Se a história dos últimos 50 anos de democracia nos ensinam alguma coisa, e as sondagens parecem confirmar, é que a maioria das pessoas vota nos partidos do centro democrático e, como tem acontecido sempre desde que temos a possibilidade de escolher quem nos irá representar e governar, não parecemos estar muito inclinados para considerar soluções radicais. O que queremos é os nossos problemas resolvidos e, para isso, precisamos que os partidos moderados que nos representarão na manhã do dia 19 de maio sejam capazes de perceberem que o mundo mudou radicalmente nos últimos 3 meses e não há espaço para continuarmos como se nada estivesse a acontecer.