No Brasil já neva
Sim, é verdade: em Bom Jesus, São José dos Ausentes, Gramado, Canela e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e em São Joaquim, Urupema e Urubici, em Santa Catarina, nevou nos últimos dias.
Pode parecer estranho - ainda mais em fins de maio e princípio de junho, altura do ano em que no outro hemisfério a maioria dos portugueses começa a pensar em férias -, mas no Brasil, visto no estrangeiro como paraíso de sol, de calor, de mar, de praia, de bronzeados e de biquínis, sempre houve, independentemente das assustadoras mudanças climáticas globais mais recentes, friagem, geada, granizo, temperaturas negativas, luvas e gorros.
Porque o país de 26 estados, cinco regiões e seis biomas, é diverso. E grande.
O correspondente que vos escreve, a morar há quase 15 anos no país, teve a noção dessa grandeza logo no segundo ou terceiro dia. Em São Paulo, cidade de 22 milhões de habitantes somados os arredores, precisou ir de casa, perto da Avenida Paulista, ao centro de treinos do Corinthians, situado numa estrada por onde se sai da metrópole rumo a Guarulhos. Na cabeça lisboeta dele, a viagem, vista do mapa do Metro, assemelhava-se à deslocação tranquila do Marquês ao Estádio da Luz. Na realidade, durou duas horas e meia, três mudanças de linha e mais 35 euros de táxi. Só pra ir.
Um dia, um editor, mesmo tendo conhecimentos geográficos suficientes para saber que o Brasil é enorme, pediu ao tal correspondente para dar um pulinho a Campina Grande, a terra do Hulk (do jogador, claro). Tudo bem, mas o tal “pulinho” equivale a uma viagem Lisboa-Varsóvia. Ou a dez viagens Porto-Lisboa de seguida.
Porque o Brasil, maior país da América Latina, quinto à escala mundial, é mesmo grande. E mesmo diverso.
O correspondente citado teve noção dessa diversidade mal chegou, no Natal de 2010, para esta aventura. Numa noite, o Jornal Nacional, da TV Globo, abriu com a notícia das enchentes no Estado de São Paulo: as imagens, de rios de lama a correr pelas ruas das cidades, de gente a pular para botes improvisados, de pessoas e animais a refugiarem-se nos telhados, de carros encalhados e, infelizmente, de umas quantas mortes, foram a escolha natural dos editores para começar o noticiário.
A surpresa veio na notícia seguinte: seca no sertão nordestino, com imagens áridas, agrestes, inóspitas e estéreis não menos chocantes de gente e de animais a implorarem, em vão, por uma gota de chuva caída dos céus. Sim, em Portugal também já houve enchentes terríveis. E secas angustiantes. Mas no mesmo dia?
Entretanto, neste início de junho em que Bom Jesus, São José dos Ausentes, Gramado, Canela e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e São Joaquim, Urupema e Urubici, em Santa Catarina, abriram telejornais por acordarem pintadas de branco, a notícia seguinte foi “onda de calor no norte deixa a população em alerta”, com destaque para Palmas, com 37 graus de sensação térmica, e Boa Vista, cuja mínima, ali pelas 4h00 da manhã, foi de 25.
Desta vez, o tal correspondente já não se surpreendeu.
Jornalista, correspondente em São Paulo