'Ni Chaines Ni Maîtres'. O Filme “Marco Invisível” de 2024!

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Nem Correntes Nem Mestres, filme do franco-beninense Simon Moutairo, estreou em setembro e o enredo gira em torno do quotidiano escravo da Ilha Maurícia do século XVIII, com a particularidade de a narrativa ser favorável à revolta escrava contra o colonizador francês. O escravo questiona a sua condição e revolta-se. É a História contada pelo Outro. Pierre-Yves Bocquet, director-adjunto da Fundação para a Memória da Escravatura, já em março, quando visionou uma cópia do filme, cantava hossanas ao mesmo, dizendo:
“Enfim, foi o que pensei (…) Enfim um filme francês sobre a escravatura com uma verdadeira ambição de realismo, um verdadeiro olhar original. Enfim um filme que ousa mostrar a violência e a complexidade da sociedade colonial e das contradições daqueles/as que a viveram. Enfim um filme sobre a escuridão desse mundo reverso da escravatura.”

E houve mais “dois enfins”, essenciais para tudo fazer sentido. O primeiro, a oportunidade, o momento de partilha com um público francês largamente ignorante sobre a História da Escravatura francesa e ainda mais das resistências que suscitou. O segundo a oportunidade de fazer pedagogia junto dos alunos dos liceus e colégios. Aproveitar ao máximo a ferramenta lúdica e sexy que o cinema se tornou para educar e mobilizar! O que é que aconteceu?
Há um silêncio nos media franceses sobre o assunto, como se de um filme maldito se tratasse, quando Bocquet o considera un film jalon! Um marco, importante, porque marca uma ruptura na representação da escravatura no cinema francês. Em números, Ni Chaines Ni Maîtres trata-se do segundo filme sobre escravatura em 20 anos. Entre 2004 e 2023, a França produziu 4,161 filmes, sendo de 2011 a comédia Case Départ, sobre o mesmo tema, a escravatura!

No mesmo período e sobre o mesmo tema, a América produziu Django Unchained (2012), Lincoln (2012), Twelve Years a Slave (2013), Birth of a Nation (2016) e ainda The Woman King (2022).

O poder do cinema americano é este, fala pelos outros e convenceu os franceses que o assunto ia. Não foi, pois tudo muda quando o vilão somos nós. O mesmo se passa em Portugal relativamente ao Museu da Escravatura. Já agora, em que ponto está isso? Está a ver, parece que a seguir ao debate se abate um nevoeiro sobre o assunto e ficamos com a sensação que a coisa já foi, enquanto a esquecemos. E em 20 anos teremos um filme ofensivo que nos remeterá para o debate démodé que achámos já ter feito há 50!

E quanto aos “francíus” achava-vos mais à frente, mais resolvidos, mais maduros, mas talvez ainda aguardem uma verdade sobre si próprios, sem ser dita pelos outros!

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Escreve de acordo com a antiga ortografia

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