Negar a ciência não baixa a temperatura do planeta nem salva a humanidade

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Vivemos um tempo estranho em que há quem, conscientemente ou não, prefira ignorar ou relativizar a ciência que nos diz que as alterações climáticas são um facto documentado, medido e explicado que está a transformar o mundo em que vivemos.

Alguns fazem-no por ideologia, porque rejeitam qualquer papel do Estado ou das instituições multilaterais na regulação ambiental. Outros admitem os factos mas insistem que a competitividade da economia é mais importante do que responder à crise climática, como se fosse possível gerar riqueza duradoura num planeta cada vez mais inóspito. Há ainda os que, simplesmente, não têm recursos nem meios para enfrentam os efeitos das alterações climáticas.

E muitos recusam aceitar a realidade porque ela desafia os seus estilos de vida, interesses instalados ou convicções políticas. A todos, a ciência é clara: o planeta está a aquecer, os impactos são visíveis e a origem humana das alterações climáticas é inegável. O que falta não é mais conhecimento mas coragem e vontade coletiva para agir, porque ignorar a ciência não muda a realidade. Limita-se apenas a adiar soluções e a agravar consequências.

E é importante dizê-lo sem rodeios: a ciência não quer saber daquilo em que acreditamos, do que preferimos ou do que nos é mais conveniente. A ciência não funciona por likes, nem por referendos. A ciência não é democrática, é factual. É feita de observação, medição, experimentação e validação independente.

E o consenso científico sobre as alterações climáticas é hoje tão robusto como aquele que explica a evolução das espécies ou a existência da gravidade. As alterações climáticas não são uma questão de opinião. São uma certeza científica, confirmada por milhares de estudos, validada por instituições independentes em todo o mundo e observada no nosso quotidiano, nos incêndios mais intensos, nas secas mais prolongadas, nas chuvas mais extremas, nas colheitas mais imprevisíveis.

Podemos enterrar a cabeça na areia e fingir que tudo está bem, mas o dióxido de carbono continuará a acumular-se na atmosfera independentemente das declarações políticas, as calotes polares continuarão a derreter quer os parlamentos aprovem ou não planos de transição energética, e os ecossistemas continuarão a colapsar mesmo que os eleitores recusem mudar os seus estilos de vida. O grande risco hoje não é a ignorância, mas a indiferença. É a apatia estratégica de quem sabe, mas não age. É a ilusão confortável de que ainda há tempo ou de que alguém há de resolver.

Mas o tempo é agora, e esse alguém somos todos nós. A ciência já fez o seu trabalho: diagnosticou, alertou, propôs caminhos. A responsabilidade recai agora sobre as políticas públicas, as escolhas privadas e as atitudes coletivas. Não se trata apenas de salvar o ambiente, mas de garantir condições mínimas de habitabilidade, de saúde, de justiça e de paz. Porque a crise climática é também uma crise humanitária, económica e democrática. Precisamos de coragem política para mudar modelos económicos ambientalmente insustentáveis, para regular com seriedade o uso de recursos, para investir em energias limpas, para redesenhar as nossas cidades, a nossa alimentação, o nosso consumo.

Precisamos de líderes que tenham a coragem de ser honestos com as pessoas. E precisamos de cidadania consciente, que exija mais dos seus representantes e que reveja os seus próprios comportamentos. Negar a ciência nunca resolveu nenhuma crise. Pelo contrário, agravou-as, e o planeta não espera.

A física não cede à retórica. A realidade não se submete a preferências ideológicas. Podemos continuar a fechar os olhos, mas o mundo está a mudar e a ciência não se preocupa com a nossa opinião. Pede-nos responsabilidade. Fingir que nada está a acontecer não vai baixa a temperatura nem salva a humanidade. Se ignorarmos a ciência, seremos as vítimas voluntárias da nossa própria irracionalidade e da nossa estupidez.

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