Negacionismo do bom senso
Houve quem tivesse comparado a fotografia de dezenas de presumíveis imigrantes, alinhados contra as fachadas da Rua do Benformoso, na zona lisboeta do Martim Moniz, com uma imagem dos judeus perfilados pelos nazis no gueto de Varsóvia. Tal publicação teve direito a claque, num reductio ad hitlerum feito no X do mesmo Elon Musk que a maioria dos seus partilhadores dizem ameaçar a democracia.
Para os mais distraídos, um lembrete: o Holocausto não foi uma operação policial para detetar indícios de crimes, voltando a maioria dos envolvidos, após minutos de desconforto, às suas vidas, mais complicadas do que mostrar documentos e o que se tem nos bolsos a agentes da autoridade sem poder, e intenção, de os exterminar. Mas convém lembrar outra coisa: o negacionismo ficou associado ao Holocausto, mas nascera bem antes e manter-se-á bem após o último guarda ou prisioneiro de campo de concentração expirar, pois nunca deixará de haver quem queira negar o que lhe for inconveniente.
Nesse prisma, o negacionismo do bom senso é tão perigoso que não pode passar em claro. Quando alguém diz que está “triste, envergonhado e revoltado” com o Governo e com a direção nacional da PSP, há que inquirir se tais estados de alma se aplicam ao juiz que autorizou a operação e a qualquer procurador que a acompanhou. Caso assim for, não andaremos longe de um ataque ao Estado de Direito, como os cometidos ou presumidos na Hungria de Órban. Declarações incendiárias já seriam preocupantes vindas de dirigentes de partidos capazes de ver extremistas em todo o lado, menos no espelho, mas são mais inquietantes quando proferidas por quem tem ambições de ser primeiro-ministro, como o secretário-geral do PS.
Por convicção ou estratégia - convém colar o Governo ao Chega após moldar o Orçamento do Estado com a sua ajuda -, Pedro Nuno Santos meteu o bom-senso na gaveta. E nenhum dos imigrantes (e portugueses) alinhados contra a parede saiu beneficiado.
Grande repórter do Diário de Notícias