Nas três frentes da guerra, Putin meteu-se numa camisa-de-onze-varas
Reafirmando a sua parceria com a Rússia, a China já está a tentar mediar o conflito na Ucrânia conforme sobressai das declarações de Wang Yi, responsável máximo da Relações Externas chinesas.
Não demorou, assim, muito tempo, até se desenhar uma agenda de trabalho para as negociações que tiveram lugar quinta-feira (10 demarço) e se vão prolongar no futuro.
Zelensky deixou cair a pretensão ucraniana de fazer parte do bloco da NATO. Atitude inteligente de quem, futuramente, depois de estabelecida a paz, pode receber, discretamente, as armas que vierem a ser fornecidas pelo Ocidente, seja dos Estados Unidos, seja da União Europeia e construir, no futuro, umas forças armadas modernas e bem preparadas "para o que der e vier".
Do lado russo a preocupação vai para o reconhecimento da independência/autonomia da Crimeia e das repúblicas do Donbass. Veremos, na narrativa da paz, que solução vai ter o problema do acesso da Ucrânia ao mar Negro, que Putin quer impedir com a agressão a Odessa.
Temos, assim, a guerra a desenvolver-se em três frentes. Em primeiro lugar a "guerra" das negociações com as partes a quererem conquistar o maior número de vantagens, com Putin a ter de enfrentar a pressão chinesa para que seja obtida uma solução de paz. Depois, a guerra da economia com a Rússia a sofrer penalizações graves devido à dureza das sanções aplicadas. Os Estados Unidos e o Reino Unido foram rápidos ao impedir o acesso do petróleo e do gás russos aos seus portos. Não é muito, mas ajuda. Os Estados Unidos, por exemplo, importaram da Rússia, em 2021, 225 milhões de barris de petróleo russo, equivalente a 8% do valor do total do seu consumo de petróleo.
A União Europeia prepara com urgência um road map de medidas destinadas a diminuir, ou mesmo anular, a dependência europeia do gás e do petróleos russos.
A Europa espera reduzir a importação de gás russo em 70% e 100 mil milhões de metros cúbicos, até ao final do ano. Um "murro no estômago" da economia russa que terá sérias repercussões no futuro.
Entretanto, as sanções têm atingido, profundamente, o coração financeiro da Rússia. A Fitch baixou o rating do país e admitiu estar iminente a situação de incumprimento por parte da Rússia em relação aos seus compromissos financeiros. A falência, portanto!
Em Moscovo a circulação de capitais deixou de se fazer, o que é um dos mais preocupantes sinais de destruição da economia de um país.
São inúmeras as empresas internacionais a sair da Rússia (cerca de 120) deixando atrás de si um cenário de desemprego e pobreza para o povo russo. Trinta por cento do PIB mundial deixou de vender para a Rússia. Imaginemos pois as consequências dessa situação.
Com a situação social a degradar-se, velozmente, Putin continua a opressão do povo russo. Segundo dados da OVD-Info (projeto media russo dos direitos humanos), o número total de detidos atinge já os 12 mil. Apesar das duras medidas de repressão é crescente a tendência de protesto em todas as cidades russas.
Finalmente, na terceira componente da guerra, a frente militar no terreno, as tropas russas não conseguem progredir e esbarram com a resistência tenaz das heroicas forças ucranianas e com a força anímica do seu povo.
Seja por razões de uma logística mal preparada seja pela incapacidade pura e simples de evoluírem no terreno, as forças russas fizeram do crime de guerra a sua prática diária, bombardeando escolas, hospitais, zonas residenciais, matando civis indefesos, crianças, numa prática de carpet bombing já sobejamente experimentada por Putin em Grozny, na Chechénia, e na Síria onde, entre 2015 e 2017, o Observatório dos Direitos Humanos registou a morte de 5700 civis.
Nas três frentes de guerra - negociações, economia e no terreno - é possível que Putin venha a vencer esta última. Mas vai, seguramente, perder a guerra financeira, com uma Rússia que ficará mais pobre, mais isolada do mundo, mais enfraquecida, com o estigma de ter lançado uma guerra cruel e inútil que acabou com importantes equilíbrios mundiais construídos pacientemente, desde a Segunda Guerra Mundial. Nunca mais a esmagadora maioria dos países desenvolvidos vão confiar em Putin.
E, ainda que a agenda das negociações lhe possa vir a ser favorável, Putin vai perder a paz no território ucraniano. O povo ucraniano já mostrou ao mundo que em circunstâncias nenhumas desistirá no seu país e da sua liberdade.
Nas três frentes da guerra, Putin meteu-se numa camisa-de-onze-varas.
Jornalista