Narciso e Valentim: vidas paralelas
Por razões que se ignoram, mas por certo razoáveis, a certa altura das nossas existências passámos a falar em dinossáurios, quando antes dizíamos dinossauros. A questão, todavia, permanece intrincada e divisiva, já que, garante-nos o Ciberdúvidas, “F. V. Peixoto e J. Neves Henriques divergem”. Alguns etimologistas distintos, como o professor Rebelo Gonçalves, omitem até, e de todo, a palavra “dinossáurios”, considerada por muitos um hibridismo escusado entre o grego “deinos” e o latino “saurios” e, como tal, extremamente desaconselhável.
Pela mesma época em que os dinossáurios entraram nos dicionários, alvores do novo milénio, foi aprovada uma lei da República que tratava deles em dois artiguinhos: no primeiro, estipulou-se que os nossos presidentes autárquicos, das câmaras e das freguesias, só poderiam ser eleitos para três mandatos consecutivos; e o segundo artigo determinava que a dita legislação entraria em vigor no dia 1 de Janeiro do ano 2006.
Por via da lei fatídica, foram exterminadas várias dezenas de bichos, alguns deles bem históricos, ou até mesmo pré-históricos. Das espécies extintas, sobressaem Narciso e Valentim, com o primeiro a perfazer 29 anos à frente dos destinos da edilidade matosinhense e o segundo com duas décadas de labor em prol dos povos de Gondomar.
Foi, de resto, com o slogan cardíaco “Valentim Loureiro Gondomar no Coração” que este último se tentou apresentar ao voto no sufrágio de 2013, recorrendo para o efeito a uma manobra putinesca: impedido que estava de se candidatar novamente à câmara, abalançou-se à presidência da assembleia municipal. O Tribunal Constitucional não autorizou a candidatura, mas nem isso dissuadiu Valentim de insistir na política: em 2017, voltou à carga, tendo ficado então num triste terceiro lugar, com 19,9% dos votos.
Já Narciso, de seu lado, foi candidato a Matosinhos nas autárquicas de 2009, à frente da associação “Narciso Miranda – Matosinhos Sempre”, para ser derrotado sem glória, com 30,7% dos votos, pelo socialista Guilherme Pinto, que tragicamente faleceu em funções, muito novo. Não contente com o desaire, averbou nova derrota, desta feita em 2017, contra a socialista Luísa Salgueiro, sua antiga vereadora e actual presidente da Associação Nacional dos Municípios, a qual, segundo ele, “repôs o rumo certo de fazer política em Matosinhos.” Narciso, aliás, não tem deixado de realçar que Luísa foi sua protegida e pupila: “abro as portas e as pessoas fazem o seu caminho. Quando dizem que aqui em Matosinhos tudo é produto do Narciso Miranda, respondo: não estou arrependido de nada do que fiz. A Luísa começou como vereadora comigo, sem ser do PS, foi deputada por proposta minha e depois fez as suas opções. E bem.”
Um e outro terminaram as suas carreiras como independentes, não sendo esse o único traço que os irmana. Quem percorrer as notícias de antanho, encontrá-los-á lado a lado, corria o ano de 2006, numa auditoria do Tribunal de Contas à empresa Metro do Porto, com aquele tribunal a considerar que, por serem administradores não-executivos, Narciso e Valentim não deveriam ter direito a cartão de crédito para despesas, mais a mais tão elevadas (Público, de 27/11/2006). Adiantaram também os jornais que, no âmbito do “Apito Dourado”, Narciso foi chamado à justiça, uma vez que o Ministério Público suspeitava de alegadas contrapartidas dadas por Valentim, como presidente da Metro do Porto, a alguns empresários ligados à construção civil (DN, de 23/3/2005). Enquanto isso, o Governo decidiu limitar os gastos da comissão executiva da empresa à gestão corrente, uma vez que, segundo uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças, avalizada por despacho de dois ministros (Teixeira dos Santos e Mário Lino), os custos da 1.ª fase do projecto já ultrapassavam 129% do inicialmente previsto. Narciso defendeu-se, falando em “mais obra realizada”, e Valentim disse não estar nada preocupado com a situação. Em 2008, ambos saíram da administração da Metro do Porto, com Valentim a transitar para a presidência da respectiva assembleia geral.
Vemo-los juntos, de igual sorte, na longevidade do mando, décadas e décadas à frente dos respectivos concelhos, sempre ao serviço do povo. E também no facto de ambos terem entrado em colisão com as direcções nacionais dos seus partidos, ou vice-versa. Em 2005, Valentim Loureiro, também conhecido como “o Major”, foi detido no âmbito do “Apito Dourado” e o PSD, tendo-o apoiado inicialmente (“no momento difícil em que o major Valentim Loureiro e alguns outros militantes do PSD são chamados perante a Justiça, não esquecemos a consideração e solidariedade pessoal que nos merecem estes companheiros de partido”, afirmou Pedro Duarte, porta-voz laranja), acabou por retirar-lhe a confiança política, no tempo da liderança de Marques Mendes, que o major mimoseou com uma chuva grossa de impropérios (“líder menor”, “pequeno ditador”, inter allia), acusando-o ainda, e entre o mais, de ser um “pedinchão” e de ter tentado meter um familiar seu a funcionário da Liga de Clubes, de não ter pago multas de trânsito e, por isso, estar envolvido no “processo dos soldados da GNR”, de ter “uma casa em Oeiras para onde foram materiais de construção que foram debitados a uma Santa Casa da Misericórdia de Gaia e a empresa que fez isso depois foi assaltada e a documentação desapareceu” e, enfim, também no domínio construtivo, de ter buracos no telhado (“ele não tem telhados de vidro, ele tem buracos, tem buracos no telhado”: Público, de 19/11/2005).
Candidato independente nas autárquicas de 2005, Valentim ganhou com 57,53% dos votos, depois foi condenado e perdeu o mandato, em 2008, mas a Relação absolveu-o e voltou a candidatar-se – e a ganhar – nas autárquicas de 2009, desta feita com 42,75% dos votos. Ou seja, e apesar de o seu nome estar envolvido no “Apito Dourado”, o povo de Gondomar entendeu elegê-lo – e por duas vezes consecutivas, em 2005 e em 2009. De permeio, em 2008, foi arquivado, por falta de provas, o inquérito-crime ao ataque sofrido pelo socialista Ricardo Bexiga, vereador em Gondomar e seu rival político, agredido com uma moca de madeira por dois encapuzados, em 25 de Janeiro de 2005, quando saía do seu escritório em direcção ao parque de estacionamento da Alfândega do Porto (mais tarde, em 11/4/2018, o Jornal Económico noticiaria que o dito escritório de Bexiga, entretanto eleito deputado, facturou 322 mil euros em ajustes directos de autarquias do PS).
Em 2011, seria a vez de Narciso Miranda ser corrido do seu partido, após decisão de Sócrates, que o visado qualificou como “kafkiana, para não dizer estalinista”. Recorreu, esbracejou. Porém, o Tribunal Constitucional não lhe deu razão e Narciso lamentou-se, pesaroso, em declarações bem comprometedoras para os seus camaradas socialistas: “devo ser o único quadro do PS com alguma visibilidade que recusou tachos que ao mais alto nível me ofereceram” (DN, de 7/4/2011).
Sendo um da rosa, outro laranja, Narciso e Valentim partilham outra afinidade, esta bem mais sombria: foram ambos condenados pela justiça, sem apelo nem agravo. O primeiro, em 2015, numa pena (suspensa) de dois anos e dez meses de prisão, por abuso de confiança qualificada e falsificação de documentos; o segundo, em 2008, a três anos e dois meses de prisão, com pena suspensa, pelo crime de prevaricação e por 25 crimes de abuso de poder, como cúmplice.
Não era a primeira vez que Narciso e Valentim se viram a braços com a justiça: Valentim começou primeiro, diz-se que como pilha-batatas, já que, segundo parece, terá estado implicado – melhor dito, alegadamente implicado – num célebre caso de compra de tubérculos quando era responsável pelo Depósito Avançado de Víveres n.º 823, em São Salvador, Angola, e, nessa qualidade, adjudicava o fornecimento de batatas a um comerciante, Manuel Cabral, por quatro escudos o quilo, 50 centavos mais do que o preço real. A tramóia valeu-lhe o epíteto, algo saboroso, de “Capitão Batata” (depois promovido a “Major Batata”), e ter-lhe-á permitido arrecadar uma fortuna de 260 contos, não o poupando, contudo, a um inquérito, que o levou a ser demitido do Exército em 1967 (em 1980, foi reintegrado com a patente de major, na condição de passar à reserva).
Antes disso, tivera outro processo, arquivado por falta de provas, por exigir facturas falsas aos comerciantes de Angola e fora citado num outro, por via de um auto de averiguações que culminou no “Caso dos Camionistas”, envolvendo exclusivos de adjudicação de serviços com grave prejuízo para o Estado, a crer no que nos conta Felícia Cabrita numa extensa e arrasadora reportagem sobre a vida do major no Expresso, de 6/7/1996, peça que Valentim contestou, prometendo acção na justiça, da qual não existe rasto.
Mais tarde, já em democracia, esteve envolvido no “Caso da Quinta do Ambrósio”, relacionado com um imóvel sito em Fânzeres, comprado por um advogado fiscalista e amigo seu, Laureano Gonçalves, pela quantia de um milhão de euros, em 15 de Março de 2001, para, seis dias depois, ser retirado da Reserva Agrícola Nacional e prometido vender à Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, a qual, menos de um ano volvido, o adquiriu por quatro milhões de euros. Acusado de burla qualificada, o major confessou-se “magoadíssimo” e acabou absolvido, por falta de provas, pelo Tribunal de Gondomar, em Fevereiro de 2012, tendo Luís Oliveira, vice-presidente da autarquia, Jorge Loureiro, seu filho, e Laureano Gonçalves, o advogado fiscalista, sido condenados por branqueamento de capitais (DN, de 2/2/2012).
Em 2008, e como atrás se disse, foi condenado a três anos e dois meses de cadeia, por abuso de poder e prevaricação, com perda de mandato autárquico. À saída do tribunal, visivelmente irritado, Valentim considerou a sentença “absolutamente incrível”, bradou que “os gondomarenses não têm nada que se envergonhar do seu presidente!” e prometeu recandidatar-se – e ganhar – nas próximas eleições autárquicas. E ganhou, é um facto.
Quanto a Narciso, foi indiciado por corrupção em 1997, por alegadamente ter aprovado empreendimentos imobiliários mediante a oferta de andares ou do valor equivalente em dinheiro (e, noutra ocasião, por entrega à câmara de Matosinhos de facturas de uma empresa de transportes rodoviários que levava manifestantes para comícios do PS), mas, após serem ouvidas mais de 60 testemunhas, o processo foi arquivado pelo Ministério Público, por falta de provas. Narciso diria mais tarde que foi “investigado três anos até às peúgas”, devido a denúncias anónimas de um camarada socialista, invejoso da sua proximidade a Guterres e a Jorge Coelho.
Em 2011, seria acusado, juntamente com a sua filha, da prática de diversos crimes – simulação de crime, abuso de confiança, peculato e participação económica – enquanto presidente da Associação de Socorros Mútuos de São Mamede de Infesta, com o Ministério Público a sustentar, entre o mais, que Narciso simulara um furto apenas para ganhar um iPhone. Acabou absolvido. Mas em 2015, e como se disse, foi condenado por ter usado, em proveito próprio, 37.500 euros de uma subvenção estatal à sua candidatura independente à câmara matosinhense.
Além de uma longa carreira política, Narciso e Valentim – ou, talvez melhor, Narciso & Valentim, Lda. – partilham ainda outra característica, a humildade das origens. Narciso Miranda, nome artístico de José Narciso Rodrigues de Miranda, nasceu em Barroselas, Viana do Castelo, em 30 de Julho de 1949, e, como o próprio afirma, com justificado orgulho, “os meus avós maternos e paternos eram agricultores e viviam da terra, leiras, vinho, azeite, tudo espalhado, andavam sempre de um lado para o outro. E tinham muitos filhos. Tudo o que era homem emigrou para o Brasil, só cá ficou um, o meu pai. A regra do meu avô era quem trabalhar na terra tem o que precisar, quem não a trabalhar que se desenrasque. O meu pai, para se libertar da terra, arranjou emprego na única empresa local, uma serração de madeiras, que faliu e ficou desempregado. Ele tinha um primo, de outro ramo da família, que vivia bem. No tempo do fascismo, eram três os ‘Ricardo Salgado’ lá do sítio”. Aos 14 anos, quando andava no 8.º ano, já tinha dinheiro de bolso, graças às matemáticas: “era bom aluno a matemática e as pessoas pagavam-me o que queriam. Nas primeiras explicações, pagavam-me o café e a bola de Berlim, pois não tinha dinheiro para me sentar numa pastelaria. Levava sempre 25 tostões no bolso e tentava não os trocar.”
Depois, num percurso clássico, a madrinha do pai, que tinha um filho a trabalhar na Efacec, em Matosinhos, pediu emprego para o jovem Narciso, que começou de fato-macaco, como aprendiz de fresador. Estudava engenharia à noite, mas não chegou a acabar o curso. Chamado à tropa, esteve dois anos em Angola, regressou em Outubro de 1973, ciente de que o regime estava acabado.
Em novo, tivera a sua primeira experiência política, quando um ricaço de Barroselas lhe deu, e aos colegas, uma lata de tinta para pintarem na parede “Abaixo Salazar, Viva Humberto Delgado”. O padre apanhou-os, e Narciso levou duas chapadas do pai, mas nem isso o demoveu da cidadania, ainda que não se conheçam outras actividades políticas nos tempos da ditadura. Após o 25 de Abril, navegou uns meses pela extrema-esquerda, namoriscando a OCMLP e a UDP, mas, em Dezembro desse ano, por via de “um tipo da Efacec que conhecia Mário Soares”, inscreveu-se no PS. Era “mexido”, diz, tanto que ajudou a arrombar a porta de um prédio abandonado em São Mamede, para instalação da sede dos socialistas. Aos poucos, começou a ganhar a confiança dos notáveis – António Macedo, José Luís Nunes, Cal Brandão – e Soares quis fazer dele figura de proa do sindicalismo, chegando a enviá-lo para a Alemanha, onde foi recebido na sede do Sindicato da Liga dos Metalúrgicos, em Frankfurt, para fazer um curso sobre o movimento sindical a expensas da Fundação Friedrich Ebert.
No final, agradeceu a Soares, mas disse ambicionar outros voos. Envolveu-se a fundo na preparação da iniciativa “A Europa Connosco”, que Internacional Socialista promoveu no Coliseu do Porto, em 1975, com Olof Palme, e, nas autárquicas do ano seguinte, foi eleito vice-presidente da câmara de Matosinhos. Logo após a vitória, o novo presidente da edilidade, Mário Maia, chamou-o ao gabinete, aconselhou-o a comprar um fato (“Não achas que tens de vestir um fato? Agora tens funções, és um gajo importante”). Narciso dirigiu-se à Maconde, comprou dois, 900 escudos cada, “muito dinheiro”. Apesar de se intrometer na indumentária, Maia dava-lhe carta branca na política, mandava-o às reuniões do partido (“vai o rapaz, meu vice-presidente, ele é que é político”), gesto que o narciso Narciso hoje nem agradece, dizendo que o seu antigo patrão “não percebia nada de política, de gestão era lento”, e confessando, sem pudor nem pejo, “foi o que me safou” (Expresso, de 17/9/2021). Em 1979, foi ele o candidato, depois de António Macedo ter ido a Lisboa dizer a Soares que “tinha de ser o Narciso”. E foi.
Valentim dos Santos de Loureiro, por sua vez, nasceu em Várzea de Calde, uma pequena aldeia nos arredores de Viseu, na véspera de Natal de 1938. Tal qual como Narciso, é oriundo de uma “família de camponeses”, informa-nos a Infopédia, esclarecendo ainda que concluiu o Curso Geral de Comércio, na Escola Comercial e Industrial de Viseu, e o Instituto Comercial do Porto (mais tarde, já demitido do Exército, frequentou um ano a Faculdade de Direito de Coimbra). Entrevistado por Pedro Rolo Duarte (“Falatório”, RTP, 9/3/1998), disse que viu de perto a pobreza agreste, ainda que não tivesse conhecido a miséria, pois o seu pai era um pequeno comerciante, pessoa remediada. Afirmou ainda que os pais não tinham condições para lhe pagar os estudos e para permitir que se convertesse num intelectual, igual a tantos outros que povoam a política, mas foi acrescentando que tinha “um curso superior”, tirado na Escola do Exército, onde teve dificuldades na educação física, especialmente em “fazer a cambalhota”, e foi camarada de Otelo e outros futuros conselheiros da Revolução, com destaque para Vítor Alves, que, em 1980, foi um aliado precioso no processo de reintegração no Exército.
Enquanto estudava na Escola do Exército, e na companhia do futuro estratega do 25 de Abril e doutros cadetes, chegou a almoçar no Palácio de Belém com Américo Thomaz, a convite deste, naquela que seria a sua primeira incursão na alta política. Durante a ditadura, nunca teve frémitos oposicionistas (“para mim as coisas eram o que eram, havia quem mandava, havia quem obedecia, havia ordem”) e só despertou para a política em 1974. Ainda assim, garante, “vibrou com o 25 de Abril” e, logo em 1974, inscreveu-se no PPD de Sá Carneiro, diz que “por intuição”, em parte seguindo o exemplo de um amigo, Arnaldo Trindade, na outra por ser um partido “liderado por gente do Norte.”
Se Narciso teve por padrinho António Macedo, Valentim foi protegido por Amândio de Azevedo (“sempre o considerei um militante muito empenhado”, “ele actua de forma que não é exactamente o padrão, mas não tenho visto nada que ultrapassasse as fronteiras do condenável”, afirmou Azevedo em 1996). Por volta de 1975, começou a desconfiar do PC e andou envolvido e financiou o MDLP de Spínola, ainda que, segundo Manuel Macedo, outro operacional do movimento, “ele aproveitou-se do MDLP apenas para fazer negócios.”
Valentim afirma que conheceu e conviveu de perto com Sá Carneiro, a quem apresentou Nino Vieira, seu amigo, que o presenteava com charutos Monte Cristo enviados por Fidel Castro. Entre 1982 e 1992, foi cônsul da Guiné-Bissau na cidade do Porto, em 1993 conquistou a Câmara de Gondomar, apoiou Soares em 1986 e em 1991.
“Nunca procurei lugares, as coisas acontecem-me naturalmente”, confessou a Pedro Rolo Duarte, aditando: “tenho uma imagem pública de pessoa solidária, sobretudo com as classes mais pobres, pessoa que não é convencida, que se dá com toda a gente, de pessoa perfeitamente normal e com uma vida perfeitamente transparente.”
No estilo de estar na política, são muitas afinidades entre Narciso e Valentim. Este confessava que “era um homem mais de fazer coisas do que de as pensar”, que não tinha “tempo para ir ler o Marx ou isto ou aquilo” e que “muitas vezes, começo a ler um livro e sem querer o pensamento foge-me”. Afirmava ainda não ter grandes pensadores que o tivessem influenciado, privilegiando as “pessoas do concreto” e tendo como referências Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes e Belmiro de Azevedo. Em campanha eleitoral, celebrizou-se por distribuir frigoríficos e televisores para seduzir os votantes, mas garante que nunca os deu a pessoas individuais, somente a instituições, designadamente a escolas (no seu tempo, as crianças da 4.ª classe eram presenteadas com uma viagem de avião a Lisboa). Narciso, de seu lado, era conhecido como “Senhor de Matosinhos” (“é carinho, é reconhecimento”) e, nas várias ocasiões em que Mário Soares se deslocou ao concelho, para assistir à Festa dos Pescadores, os andores da procissão paravam e viravam-se os santos para a tribuna, em saudação ao chefe do Estado, rito que enfurecia os sacerdotes, mas que se repetia todos os anos (“o padre vinha ter comigo a dizer que aquilo não se podia fazer, mas eu não tinha culpa nenhuma”). Soares, outro traço comum: “Mário Soares, não sei porquê, gostava muito de mim”, recorda Narciso, enquanto Valentim lembra que o apoiou nas duas candidaturas a Belém e que o conheceu desde os tempos de primeiro-ministro, quando Veiga Simão e Almeida Santos, dois doidos de bola, fanáticos pela Académica, “promoveram a publicação da legislação que autorizou os clubes a explorar bingos, e a pagar ao Fisco e à Segurança Social, não sobre os reais vencimentos dos seus profissionais, mas apenas sobre uma parte dos mesmos.” (DN, de 7/12/2023).
Narciso esteve no Governo, como secretário de Estado da Administração Portuária do executivo de António Guterres. Já Valentim foi cônsul, presidente do Boavista (de 1983 a 1997, apesar de “ser sportinguista desde miúdo”), presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (em 1991-1994 e em 1996-2006) e, por inerência, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, presidente da Junta Metropolitana do Porto, de 2001 e 2005, período em que a sede da Junta se mudou para um prédio da propriedade de uma empresa que tinha entre os seus accionistas familiares do próprio Valentim (um dos filhos era presidente da assembleia geral e outro do conselho fiscal), que se justificou com a poupança alcançada na renda (Público, de 23/11/2002). No plano partidário, chegaram ambos ao topo: Narciso presidiu à Federação Distrital do PS Porto, de 1998 a 2003, e Valentim chefiou a Comissão Política Distrital do PSD, entre 1999 e 1999. Tornaram-se, assim, figuras nacionais de primeiro plano e foram imortalizados nos bonecos do Contra-Informação, um como “Narcísio Miranda”, outro como “Major Valentão” (noutras versões, “Major Valentinho” ou “Valentim Loureiricci”) e, ainda recentemente, Maio de 2023, circulou um anúncio para contratação de um sósia de Valentim, com vista à realização de um videoclipe.
Do ponto de vista do contacto físico, Narciso esteve envolvido nas célebres cenas de amasso e arruaça na lota de Matosinhos, em Junho de 2004, que culminaram na morte, por ataque cardíaco, do candidato Sousa Franco, no seio de uma comitiva integrada por António Costa, José Sócrates, Vieira da Silva e José Lello (jornal i, de 23/8/2018; Sol, de 10/8/2017). Nesse plano, mais táctil, realce para a visita de trabalho de Valentim ao I Salão Erótico do Porto, no Pavilhão Multiusos, Fevereiro de 2008, onde percorreu os expositores, disse uma outra piada, assistiu sentado na primeira fila a um aprazível show lésbico e “até chegou mesmo a recorrer ao tacto para perceber melhor a textura de um dos predicados oferecidos por uma mulher” (Público, de 9/2/2008). Entrevistado por Nicolau Breyner, em 1995, a primeira coisa que disse, logo a abrir, referindo-se às partenaires de Nico, foi: “antes de mais, deixe-me felicitá-lo por estas duas caramelas, que são realmente de se lhe tirar o chapéu! Ah, ah, ah!” (RTP, 8/3/1995). Realce, também, para a sua participação num programa de Maria Elisa subordinado ao tema “O Poder Pode Ser Afrodisíaco?” (RTP, 30/5/1996), pergunta de resposta óbvia, claramente afirmativa, tendo em conta que, além da oficial, o major manteve durante anos uma segunda família clandestina, com mulher e dois filhos, a Mariana Jorge e o Manuel Valentim, a quem o município de Gondomar arrendou dois apartamentos em Nevogilde, que se destinavam a hospedar estudantes vindos de Cabo Verde, no âmbito de um protocolo de geminação.
Acusado pelo Ministério Público do crime de participação económica em negócio, o major convocou uma conferência de imprensa, onde garantiu que foi “tudo legal”, acrescentado: “naturalmente, que tive alguns problemas quando a minha mulher soube, porque isto andou escondido durante mais de uma dezena de anos, porque eu não andava na rua sequer com os meus filhos, muito menos com a mãe.” A situação gerou alguns episódios pícaros: em Março de 2011, a revista “Vidas”, do Correio da Manhã, surpreendia o major a almoçar leitão da Mealhada, na companhia de uma senhora, informando que Valentim “acabou por se deliciar com um dos petiscos da casa e pôr o namoro em dia com a companheira de vários anos”, retratada em foto; na semana seguinte, a devida correcção: “a última edição da revista Vidas escreveu, por lapso, que o presidente da Câmara de Gondomar estava na companhia da mulher. Aos visados e aos leitores, o Correio da Manhã apresenta um pedido de desculpas.” (CM/Vidas, de 15/3/2011).
Pese estes acidentes de percurso, menores e privados (ou só públicos devido ao busílis dos apartamentos), Valentim tem sido um homem apegado à família. Qualifica a legítima, Joaquina, como uma “mulher inteligentíssima” e é extremoso no cuidado dos filhos: João, ex-vocalista dos Ban, celebrizados pelo êxito “Irreal Social”, sucedeu-lhe na presidência do Boavista e, juntamente com os irmãos Nuno e Jorge, foi dono do Via Rápida, uma das discotecas de maior sucesso no Porto dos anos 90, além de presidente do Conselho de Jurisdição da Distrital do Porto do PSD, vice-presidente da sua Comissão Política e deputado eleito em 1998. Esteve envolvido, mas foi completamente ilibado, no caso “Apito Dourado” (e noutro, quando o avião em que ia partir para o Brasil, em 2021, transportava 500kg de cocaína). Mais recentemente, em Janeiro de 2023, surgiu a notícia de que, por causa da exploração do Bingo do Boavista, foi condenado a 28 meses de prisão, suspensa por 30 meses, pela prática de crime de abuso de confiança fiscal, em execução continuada, por retenção indevida de impostos (Observador, de 19/1/2023). Já Jorge Loureiro, como vimos, foi condenado no caso da “Quinta do Ambrósio” e, mais recentemente, o Sporting acusou-o de, no decurso de um jogo no Estádio do Bessa, ter dado três socos (um na face, dois na nuca) a um membro do conselho directivo leonino (Jorge era membro do conselho geral do Boavista, tendo os dirigentes do Sporting de abandonar a tribuna sob escolta policial, facto que levaria a um pedido desculpas por parte dos axadrezados: Record, 10/3/2019). Por seu turno, a filha Daniela, licenciada em Psicologia e Relações Internacionais e docente no Instituto Superior da Maia (hoje, Universidade da Maia, da cooperativa Maiêutica), chegou à vereação de Gondomar através de um expediente clássico: o empresário David Martins, apresentado em campanha como um trunfo da candidatura de Valentim, apresentou a sua demissão escassos quinze dias após tomar posse, alegando razões do foro zoológico (“não sou um animal político, nem quero transformar-me num animal político”), facto que levou à subida de Daniela como vereadora adjunta do seu pai, o qual, questionado pela imprensa, disse que “mal conhecia” o número quatro da sua lista, apesar de ter garantido que “fui eu que fiz a lista; logo, se quisesse, punha a minha filha no lugar que entendesse.” (Público, de 12/11/2005).
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Nos arquivos televisivos, quando vemos o olhar aterrado do Professor Sousa Franco na lota de Matosinhos, arfando com falta de ar, como peixe fora d’água, apertado por mil lapuzes, apercebemo-nos facilmente de que aquelas imagens trágicas retratavam dois universos distintos, radicalmente diferentes, que correspondem a outras tantas formas de fazer política em Portugal: de um lado, um catedrático de Direito, oriundo de Lisboa, prestigiadíssimo, habituado desde novo ao convívio com as altas elites, e que, não por acaso, classificara a expressão “buraco orçamental”, usada por Jorge Coelho, como “linguagem própria de cavadores”; do outro, o chamado “país real” composto por “homens de acção” ou “pessoas do concreto”, o novo eufemismo para os caciques do antigamente.
Desde os tempos da Monarquia, mudou-se pouco no essencial. O esprit de clocher é o mesmo. A política foi transferida das boticas e dos adros das igrejas para os salões de bombeiros, os recintos gimnodesportivos ou os pavilhões multiusos, com o velho carneiro com batatas a dar lugar ao circuito da carne assada ou aos ágapes de febras de porco.
Neste contexto, o contexto da febra do porco, Narciso & Valentim surgem como uma encarnação viva – e vulcânica – da orteguiana rebelião das massas surgida no pós-revolução, num processo natural e espontâneo, em parte fatal e saudável. Um e outro representam, além disso, e sobretudo, a hegemonia do bloco central de interesses que começou a gizar-se logo na fase da democratização, finais dos anos 70. As direcções socialista e laranja toleraram-lhes os dislates, apadrinharam-lhes os imbróglios, promoveram-nos a altos voos, por um lado em reconhecimento do papel que tiveram na implantação das máquinas partidárias e, por outro, porque Narciso & Valentim, ou outros como eles, são essenciais para que PS e PSD consigam uma cobertura integral da quadrícula do território e possam surgir, assim, como partidos verdadeiramente nacionais. “Homens de acção”, como Valentim e Narciso, são utilíssimos, imprescindíveis, enquanto forças da Natureza que, ainda hoje, promovem comícios de casa cheia, arrebanham sindicatos de votos de militantes com as quotas em dia e garantem que os líderes, nas suas “idas ao terreno” ou nas “voltas pelo país”, têm arruadas retumbantes, prenhes de velhas e beijinhos. Sem eles, não haveria a democracia que temos. Com eles, é esta a democracia que temos.
Narciso & Valentim são também a prova viva de que o populismo é mais antigo – e mais enraizado – do que por vezes supomos, e que a sua erupção na política não nasceu com Trump, Bolsonaro ou Ventura. “Eu não sou populista, sou popular, sou uma pessoa que se dá bem com as pessoas simples”, dizia Valentim já em finais dos anos 90, numa entrevista a Rolo Duarte, já citada, onde está tudo:
(a) – o anti-intelectualismo militante e alvar, largamente motivado por complexos sociais e culturais (“causo uma fricçãozinha nos pseudointelectuais”, disse ele, depois de ter chamado “caniche de estimação” a Pacheco Pereira);
(b) – a vertigem da autoridade e do mando absoluto, tirânico (“gosto de ver gente a mandar e gente a obedecer”; “em Gondomar, nada é feito sem que o major dê o ok”, disse o seu braço-direito ao DN, de 1/10/2005);
(c) – o discurso anti-elites e a ligação directa ao povo, invocando-se o privilégio plebeu de ter nascido no seu seio (“sou uma pessoa querida do povo, das pessoas simples”; “para se resolverem os problemas das pessoas é fundamental que se tenha vivido como muita gente vive. Há quem viva em ambientes onde nunca se teve o verdadeiro conhecimento dos problemas que as pessoas têm eu. Felizmente, venho de uma aldeia, onde tive uma vida que não foi fácil, andei descalço, com umas alpercatazitas…” – disse Valentim a Nico, 1995);
(d) – a promessa higienizante de “limpeza” da corrupção (Valentim dizia pugnar pela “moralização do futebol”, garantia que iria “limpar o futebol”), a par da auto-proclamação, vezes sem conta, da ética e da integridade próprias (“em 30 anos de poder público, 29 como autarca e um no Governo nunca tive nada que me beliscasse em matéria de corrupção”, afirmou Narciso, em 2021);
(e) – por fim, mas não por último, a invocação do “Norte” como reduto e bastião de virtudes – trabalho, ética nos negócios, valor da palavra dada –, em contraste com Lisboa e com o Sul, irremediavelmente corruptos, narrativa populista a que, mais cedo ou mais tarde, todos os líderes nortenhos recorrem (Valentim, Narciso, Pinto da Costa, Rui Rio, Rui Moreira), e que, além de não isenta de caracteres racistas e xenófobos (os “puros cristãos” nortenhos vs. os “mouros” meridionais), lhes tem permitido mobilizarem a seu favor – e dos seus desmandos – os sentimentos mais básicos e mais caceteiros das gentes de uma região inteira, cujas legítimas aspirações acabam, assim, por ficar encerradas e sequestradas por um discurso somente pela negativa, todo feito do contra, forjado no ódio e nos complexos. Quem ouse questionar o modo como autarcas, dirigentes desportivos e outras notabilidades têm manipulado as populações do Norte, será de imediato apodado de “elitista” e “sulista”, quando não “liberal”, famigerada expressão de Luís Filipe Menezes, um dos raros políticos que teve a noção do carácter redutor e limitativo da retórica regionalista (desde logo, para as suas aspirações em figurar-se como um líder nacional), mas que, num momento de aperto, foi incapaz de se libertar dela, tal a sua força apelativa e sequestradora.
O potente Volvo usado por Valentim na câmara de Gondomar foi leiloado em 2016, e arrematado pelo triplo do preço-base, talvez por um comprador saudoso do longo consulado do velho major. Pouco antes, em 2014, o seu sucessor na edilidade, Marco Martins, descobriu que o gabinete do presidente estava transformado num bunker, onde poucos algumas vezes tinham entrado. Em duas décadas à frente dos destinos da autarquia, Valentim só por duas vezes se deslocou ao bar do edifício camarário e, quando o fez, foi para “reclamar com os funcionários.” Tinha um elevador secreto, de uso exclusivo, cujo código era sua data de nascimento, que dava acesso a um parque de estacionamento para os automóveis do presidente e da filha, ex-vereadora (Visão, 26/1/2014).
Hoje com 84 anos, Valentim Loureiro foi qualificado como “uma besta daquelas” por José Milhazes, que com ele quase se envolveu em pugilato no átrio de um hotel em Moscovo, com o major a acusá-lo aos gritos de ser membro do KGB e de estar ali para o espiar (Observador, de 14/6/2018). Pela mesma altura, a jornalista Felícia Cabrita contou ao Sol, de 1/7/2018, que sofreu sérias ameaças de bomba no seu carro, após ter publicado no Expresso a citada biografia do major, na qual, além do caso das batatas, se dava conta, entre o mais, de que Valentim fez o primeiro negócio com apenas 11 anos, que uma antiga professora sua na Escola Comercial de Viseu o recordou como “expressivo, vivo e muito inteligente, mas para atingir os seus fins fazia tudo”, que, quando estudava na Escola do Exército, onde tinha a alcunha do “Roxinha”, falsificara a assinatura de um companheiro de quarto nas senhas de abastecimento na cantina (apanhado pelos camaradas, ameaçou matar-se caso fosse expulso), que era um frequentador assíduo dos bordéis e das casas de má nota da capital e, mais tarde, na euforia bolsista de 1973, que foi multado pelo Banco de Portugal por emprestar dinheiro para a compra de acções, além de ter estado envolvido num estranho caso de um cheque entre o BCP e um banco-fantasma da Costa Rica (diz-se também que terá ganho duas vezes a lotaria, mas deve ser mito urbano). Por sua vez, o Público, de 25/7/2008, descobriu que, apesar de se afirmar como “empresário”, as mais importantes empresas que Valentim detinha estavam em insolvência ou em processo de recuperação e que as restantes se resumiam a pequenas empresas e a estabelecimentos comerciais, com cerca de cinco funcionários cada. Em 2008, o seu antigo assessor de imprensa, Nuno Nogueira Santos, publicou uma biografia do homem que, segundo ele, “envolve em si vários paradoxos”.
Apesar do título (A Varinha Mágica de Valentim Loureiro: Méritos, Truques e Habilidades Populistas, Prime Books, 2008), trata-se de uma obra hagiográfica, onde se afirma, saudando o bom respeitinho, que “sempre que Valentim Loureiro fala, os gondomarenses calam-se e escutam” e, num registo enternecedor, que “ao verem Valentim Loureiro, os petizes correm para os seus braços, dão-lhe as mãos com a alegria e o carinho com que tratariam uma figura Disney, como o Donald ou o Bambi ou, se preferirmos, como se fosse o avô”, e, enfim, que “todos deveríamos aproveitar de Salazar e Valentim qualidades que se foram perdendo nos tempos da democracia moderna que julgamos viver em Portugal”. Somos também informados que o major-Bambi era um ardente apoiante de José Sócrates e que chegou a ponderar candidatar-se à Presidência da República. Nas suas memórias, o ex-futebolista e ex-treinador Octávio Machado, também conhecido por “Palmelão”, recorda um curso de treinadores que fez, onde o major deu uma palestra, começada por uma leitura do If, de Kipling, acompanhada de música (“um treinador deve ser um homem culto e a música faz parte da cultura”) e terminou com um sorteio de discos das suas lojas e de umas pulseiras da Guiné (Vocês sabem do que eu estou falar, Dom Quixote, 2008, pp. 73-74).
Narciso lamenta que hoje já não existam estadistas como Olof Palme, Willy Brandt, Kohl, González ou Mário Soares. Está “profundamente preocupado” com a guerra da Ucrânia e, no plano doméstico, serve de “motorista aos netos”, acorda às 6h30 da manhã, começa o dia com uma caminhada de 10 quilómetros pelas marginais marítimas de Matosinhos e do Porto. Duas vezes por semana vai almoçar com duas tertúlias diferentes e está a escrever uma espécie de memórias, já tem mais de três mil páginas. Em 2005, deu à estampa Na Praia da Boa Nova: Textos na Imprensa, 1999-2004, antologia das suas prosas nos jornais, dedicada às filhas Vânia e Adriana, onde fala da “referência do lazer que é o NorteShopping” e reflecte sobre o país, o mundo e os seus compatriotas: “estou cada vez mais convencido de que o povo português tem inscrita nos seus genes a particularidade do paradoxo.”
Narciso e Valentim são hoje escutados como pensadores e senadores desta República. Ontem, viveram-na, ajudaram-na a erguer-se, agora pensam-na, preocupados com a cidadania e a degradação das instituições. Ambos afastados da política (ou vice-versa), mantêm-se muito atentos e, ainda há pouco, 16 de Novembro de 2023, Narciso Miranda lamentou no Público a actual “forma de fazer política, que vai destruindo pessoas, valores, princípios”. No final do artigo, um grito cívico, pungente e indignado: “é isto que queremos transmitir às novas gerações?” Fica a pergunta, uma entre muitas.
*Prova de vida (60) faz parte de uma série de perfis
Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.