Não terás nada, e serás feliz!
Reúne-se anualmente em Davos, na Suíça, a nata da elite mundial para afinar estratégias, para estabelecer objetivos, para perspetivar o futuro. E como vê esta elite o futuro?
Recentemente divulgaram um filme em que avançam com 8 predições para o ano de 2030 (ver aqui). A primeira de todas é a que serve de título a este artigo "Não serás dono de nada, e serás feliz".
Nesta previsão procura-se afirmar que todos os produtos serão transformados em serviços e que o acesso a todos os produtos será feito por aluguer e não através da compra. Para aceder à habitação a compra será substituída pelo arrendamento, para conduzir um automóvel, a aquisição dará lugar ao aluguer ou ao uso de soluções como a Uber, para vestir não mais compraremos roupas mas antes as alugaremos. Esta é uma tendência já em curso e que está mais ou menos avançada nos vários países.
Este desígnio pode parecer interessante para muitos, na medida em que pode permitir o acesso temporário a alguns bens inacessíveis. Não tenho dinheiro para comprar um Ferrari mas posso aluga-los por um par de horas para impressionar os amigos. Não quero comprar uma peça de roupa de que gosto mas posso pagar pela sua utilização por uma noite e levá-la ao casamento do filho. Não possuo meios para adquiri um quadro de Picasso mas posso alugar um para a festa do Natal. Assim se vai alargando a transformação dos produtos que tradicionalmente comprávamos em serviços de uso temporário.
Contudo, nesse mundo nem tudo são vantagens, as desvantagens existem e são preocupantes.
Este objetivo, de transformar todos os produtos em serviços, pressupõe uma condição, que aliás está bem expressa, no mote apresentado. A condição de que as pessoas não queiram ou não possam ser donas de nada. Para isso é preciso empobrece-las. É o processo que está em curso com o empobrecimento das classes médias e a concentração da riqueza em cada vez menos mãos.
Este objetivo para não implicar a redução da vida humana necessitaria de ser acompanhado de uma reforma no sistema de pensões.
Atualmente os reformados conseguem viver com rendimentos mais baixos porque são donos de vários produtos, como a casa em que habitam, o carro que conduzem, as roupas que vestem, os móveis da casa, etc.. Podem gerir entre o que têm e o que podem comprar/alugar com a sua pensão. Como poderiam os reformados arrendar e alugar tudo o que precisam para viver com os níveis de pensões atuais. A alternativa é simples ou as pensões aumentam ou a esperança de vida será drasticamente reduzida para a larga maioria.
A pequena propriedade individual, a casa, alguns bens, são um seguro para as horas difíceis. A concretizar-se a previsão "Não serás dono de nada", o indivíduo vai encontrar-se completamente indefeso face ao Poder político e económico. A maioria vai encontrar-se completamente nas mãos de uma pequena minoria.
Não é este o tipo de sociedade em que me revejo. Este é um ponto, talvez mesmo o único, que partilho com Sousa Lara, o polémico académico e político, que tem chamado à atenção deste desígnio das elites mundiais. A híper concentração capitalista da propriedade será, como tudo na vida, temporária, mas não deixará de ser uma tragedia de grandes dimensões para a Humanidade.