Não há televisão grátis
O plano de apoio aos media, anunciado pelo Governo na semana passada, inclui uma medida que há muito é pedida pelos grupos privados de televisão: o fim da publicidade na RTP. A ideia consiste em retirar, de forma gradual, a publicidade dos canais da RTP, o que significa que cerca de 20 milhões de euros transitarão para a SIC, a TVI e os canais do cabo. Claro que, na prática, ninguém pode garantir que assim seja, uma vez que esse bolo publicitário poderá simplesmente deixar de existir ou passar em grande parte para as grandes tecnológicas. E o que acontecerá à RTP, que apresenta resultados positivos há 14 anos? Terá de reduzir custos, com a saída de cerca de 250 profissionais, sob pena de voltar a ter prejuízos.
Os argumentos a favor da medida são fáceis de entender: a RTP recebe cerca de 200 milhões de euros do Estado, todos os anos, ficando ainda com 20 milhões em publicidade. Isto coloca a estação pública numa situação de concorrência desleal face aos privados. Os quais, apesar dessa desvantagem, conseguem ter audiências superiores às dos canais do Estado.
Por outro lado, importa ter em conta que o fim da publicidade na RTP obrigará os contribuintes a desembolsarem algumas dezenas de milhões de euros, numa primeira fase, para pagar as rescisões dos trabalhadores da estação pública. Poderá implicar também, no futuro, novas injeções de capital por parte do acionista Estado, para compensar os prejuízos que entretanto surjam, o que, a confirmar-se, significa que os contribuintes estão a substituir-se ao mercado na RTP para que os canais privados possam receber mais investimento publicitário. E, entretanto, a qualidade do serviço prestado pela RTP (e pela RDP) deverá ser afetada. Estes serão os principais argumentos contrários à medida que foi anunciada.
Os dois lados da discussão apresentam argumentos válidos, que merecem ser tidos em conta. Mas deveríamos começar por debater se faz sentido, ou não, manter um serviço público de televisão. E, em caso afirmativo, que tipo de serviço queremos ter em Portugal.
Tendo em conta a selva que existe nas redes sociais e as ameaças que pendem sobre as democracias, que têm no jornalismo livre um dos seus maiores defensores, não tenho dúvidas de que o serviço público continua a fazer sentido. Como qualquer estação de televisão pública, a RTP tem os seus problemas, como o risco de interferência política na linha editorial ou a dificuldade de competir com os privados em algumas áreas. Mas a RTP continua a ser a única televisão que tanto acompanha o candidato do partido mais votado como a pessoa desconhecida que dá a cara por qualquer um partido recém-formado. A RTP é a única televisão que, como lembrou há dias o jornalista João Santos Costa, é capaz de estar até às quatro da manhã à espera que um delegado sindical anuncie os resultados de uma votação interna. A RTP é a única estação que transmite teatro e ópera em prime time, ou séries que de outra forma só se encontram em certas plataformas de streaming. A RTP faz aquilo que o mercado não faz e isso tem um preço.
Diretor do Diário de Notícias