Tenho alguma memória do 25 de Abril, ainda que tenha nascido em 1978. Descobri cedo o poder do jornalismo na memória coletiva da sociedade. É sobre isso que este, como muitos outros jornais da época, podem falar, ainda hoje, quer estejam ativos ou já tenham fechado, desde que os seus arquivos tenham sido preservados e estejam abertos à consulta pública sobre este momento histórico, que me permite a mim, hoje, escrever sem o peso do lápis azul da censura, como a todos os outros jornalistas, cronistas, ilustradores, fotógrafos numa edição como esta, 50 anos depois. Em liberdade..A minha memória deve-se, em grande parte, ao trabalho dos jornalistas e dos fotógrafos que narraram e registaram os acontecimentos, a 25 de abril de 1974. O Século, que às 5.30 já tinha uma 2.ª edição, dava conta de que algumas emissoras já tinham sido “ocupadas” por militares. Numa 3.ª edição, às 11.00 horas, fazia manchete: Movimento das Forças Armadas desencadeou uma ação militar para deposição do regime político. Foi literalmente um minuto a minuto dos acontecimentos em três edições, que os arquivos preservam..A República chegou também a uma 3.ª edição com título de capa As Forças Armadas tomaram o poder..O Diário de Notícias (cujas capas poderá ver aqui), fez segunda tiragem com o título Às primeiras horas da madrugada de hoje, eclodiu um movimento militar..Mas há mais jornais que ainda hoje retêm o passado com elementos que são capazes de se manter vivos na nossa consciência (diria o historiador francês Pierre Nola), como a Capital, Diário Popular, Diário de Lisboa e muitos outros. São estas resenhas históricas que formam a memória coletiva. Os jornais continuam a manter estanques os acontecimentos, hoje, daqui a 50, 100, 200 anos..Eu, defensor do digital, preocupadamente penso se, daqui a 50 anos, conteúdos exclusivos na internet estarão preservados como os de há 50 anos, no papel. É por isso que é tão rica a experiência de um jovem pegar no jornal de há 50 anos e descobrir o olhar jornalístico na cobertura de um acontecimento, que não é o mesmo olhar do historiador. Estou, por isso, declaradamente a defender o interesse do jornalismo, em nome do poder da informação livre na constituição da memória coletiva de um povo..Há conquistas da liberdade que não estão garantidas eternamente. No caso do jornalismo, é fundamental preservar os arquivos, insistir na literacia mediática e não deixar cair o debate sobre o financiamento dos media. Se não há povo sem memória, diria eu que não há memória sem jornalismo..Diretor interino do Diário de Notícias