Não há nada para ver aqui, Manuel Acácio

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Quando Carlos Moedas era apenas candidato à CML, ligou para o Fórum da TSF e começou a intervenção agradecendo o convite para participar que a rádio não lhe fizera. Depois de ter sido corrigido pelo jornalista, rematou com um embaraçado: “Aqui estou, Manuel Acácio, aqui estou.”

O artigo que Carlos Moedas escreveu aqui no DN lembra este caricato episódio, de alguém que é apanhado em falso e se justifica de maneira atrapalhada.

Escreve, nesse texto de autoelogio, que passou três anos a “fazer e a concretizar, a desatar nós e a entregar mais e melhor cidade”. Mas ninguém que viva ou trabalhe em Lisboa sabe de que cidade está ele a falar.

Se Moedas não é culpado por uma crise na habitação que não é exclusiva desta cidade ou país, o mesmo não se pode dizer da forma como tem estado sempre do lado da diminuição da oferta. As suas ações, por omissão ou demissão, têm feito parte do problema. Votou contra a contenção do Alojamento Local (AL) em Lisboa e fez campanha contra o Pacote Mais Habitação do anterior Governo, o mesmo que fez subir em 81% a oferta de arrendamento. Agora está ao lado do Governo que, com o voto do Chega, deitou para o lixo as limitações ao AL e já anunciou o regresso dos Vistos Gold e das borlas fiscais aos nómadas digitais. Todas estas medidas, todas sem exceção, limitam a oferta habitacional e voltarão a aquecer o mercado, expulsando de Lisboa mais jovens e famílias da classe média.

Não querendo insistir no tema de quem fez e quem deixou em obra mais de metade das casas que já foram entregues a munícipes neste mandato (creio que já todos perceberam a diferença entre quem planeia e quem corta-fitas), lembremos apenas que o PS pôs em marcha programas muito importantes que a CML ainda mantém. É o caso da Renda Segura, do Subsídio Municipal de Arrendamento, das intervenções em património municipal disperso e de muita da construção nova que tem vindo a ser inaugurada, deixada com projeto aprovado, concurso lançado e até obra em curso.

Perante a urgente necessidade de casas, a coligação Novos Tempos aproveitou as verbas do PRR e do Orçamento do Estado, negociadas pelo anterior Governo, para diminuir o investimento próprio em habitação. Assim, onde o PS investiu 207 milhões, Moedas tem apenas previstos 132 milhões de verbas municipais. O resultado é este: anuladas 2000 casas de renda acessível já programadas e, ao fim de três anos, lançados concursos apenas para 400 novas frações. Quando acabar de entregar as chaves de casas deixadas em obra ou concurso pelo PS, Moedas não terá nada para apresentar. Um escândalo quando estão disponíveis 800 milhões de euros do PRR e Orçamento do Estado para habitação, algo que não existiu nos mandatos do PS em Lisboa.

Em maio, num golpe de asa inesperado, o Governo anunciou que as obras para melhorar a operação do Humberto Delgado iriam, afinal, expandir a capacidade do aeroporto, permitindo mais voos por hora e uns 10 milhões a mais de passageiros por ano. Tudo isto sem qualquer tipo de avaliação ambiental. Os lisboetas, que já vivem com um avião sobre as suas cabeças a cada dois ou três minutos, expostos a um nível de poluição e ruído acima de tudo o que é legalmente admissível e com consideráveis riscos para a sua saúde, ouviram Carlos Moedas dizer sim, desde que a cidade fosse compensada. E, quando confrontado com o facto de a ANA nem sequer ter cumprido as insonorizações previstas para as habitações e equipamentos perto do aeroporto, Moedas aconselhou-os a irem bater à porta da concessionária. Onde está um presidente da Câmara quando se precisa de um?

Não está aqui, Manuel Acácio, não está aqui.

O PS já propôs uma providência cautelar para impedir este erro e ações judiciais para forçar a ANA a cumprir o seu Plano de Ruído e impedir voos noturnos. Deve ser a isto que Moedas chama “oposição de bloqueio”: haver quem tenha coragem de dizer não.

Moedas recebeu uma câmara com o maior orçamento que alguma vez uma autarquia teve na história do país: 1,3 mil milhões de euros. Mesmo assim, e em pleno boom do turismo, conseguiu a proeza de colocar as contas da autarquia no vermelho, sendo “obrigado” a pedir emprestados 133 milhões de euros, pelos quais os lisboetas pagarão 40 milhões em juros, para garantir as falhas de tesouraria por si criadas. Tudo isto quando a obra que tem para mostrar é aquela que herdou. A grande marca que vai deixar na cidade, a obra pela qual vai ser um dia lembrado, é uma pala milionária e inútil, situada num parque igualmente inútil, onde falta sombra, equipamento desportivo ou um propósito. Carlos Moedas conseguiu legar um deserto à cidade.

No seu longo texto de autoelogio, Moedas também se esqueceu do título que realmente merece: o de autarca que mais fundos europeus desperdiçou. Das oito candidaturas para financiar residências universitárias com PRR, a atual gestão desistiu de sete e manteve a única que já herdou em obra. Uma opção que adia ou inviabiliza camas numa cidade onde existem milhares de estudantes deslocados e que sairá cara ao orçamento camarário, que será chamado a pagar futuras residências. Moedas já tinha ignorado as candidaturas para reconstruir, sem gastar um cêntimo, escolas classificadas como de intervenção prioritária.

Tudo por não ter prontos os projetos necessários, algo incompreensível quando a estrutura que lidera tem cerca de 600 arquitetos. Como terão conseguido candidatar-se as outras autarquias do país, com recursos humanos dezenas de vezes mais curtos?

Bem sabemos como Carlos Moedas gosta de chamar “oposição partidária de bloqueio” à oposição democraticamente eleita, com quem devia negociar em vez de fazer birras. O argumento do “bloqueio” fica-lhe mal, particularmente quando o PS lhe viabilizou os orçamentos - não por concordar com as políticas propostas, mas por querer dar condições de governabilidade a Lisboa.

Depois de se queixar de todos, menos de si próprio, Carlos Moedas culpa sistematicamente os antecessores ou a oposição quando as coisas não lhe correm bem. Vejamos o caso dos painéis publicitários de grande formato, que o indignaram, mas que eram decisão do Executivo PS. Moedas, que assinou o contrato em 2022 e aprovou depois as localizações propostas pela concessionária, só mandou pedir pareceres sobre a segurança rodoviária das localizações depois de deixar fazer a obra - e apenas após a polémica chegar aos jornais. Estava de “mãos atadas”, mas para reconhecer a sua própria negligência.

Com o estado a que a cidade chegou e o avolumar de queixas dos lisboetas, é uma questão de tempo até que todos percebam quem é verdadeiramente o atual presidente da câmara. Com ele, concordamos apenas num ponto: “Tem havido pequenez na política partidária”, mas pequenez do Executivo minoritário, e é urgente que algo mude. Quando a cidade está paralisada e deixou de servir os lisboetas, é chegado o tempo de uma inversão. Porque, de resto, não se passa nada aqui, Manuel Acácio.

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