Nakba
Eis uma palavra dura, amarga, triste, sofrida. Em que língua está escrita? Que quer dizer ao certo? Quem a convoca periodicamente? Quem a vive permanentemente?
Nakba é uma palavra árabe, uma língua da qual retemos em Portugal muitos vocábulos, muitas designações de localidades, muitos nomes. O meu próprio apelido Almeida, comum a milhares de portugueses, tem origem nessa língua partilhada por milhões de pessoas em vários países. Uma língua que na União Europeia de hoje tem mais falantes que o português.
Nakba no dicionário traduz-se por "catástrofe", ou "desastre". Mas a palavra ganhou um cunho próprio, referindo-se a uma catástrofe de tal dimensão, amplitude e duração que tem de ser escrita com letra grande. Que não pode deixar de ser lembrada porque continua. Que é uma catástrofe que não sara, que sangra permanentemente. Até que haja justiça.
E que catástrofe é esta? Onde ocorreu? Quem a provocou? Como pode ser curada?
Em 1948 pela calada da noite, grupos sionistas armados, invadiram, mataram e expulsaram das suas aldeias, das suas terras, dos seus lares, mais de 700.000 pessoas, sim setecentos mil palestinos, que assim se transformaram em refugiados. Fugiram levando apenas o indispensável deixando para os ocupantes as casas, as alfaias, os haveres de uma vida. Levaram consigo um objeto que se transformou em símbolo de resistência: as chaves das suas portas. Como quem diz: havemos de regressar.
Mães levando os filhos ao colo, velhos transportados por jovens, camponeses carregando os parcos haveres, formaram filas imensas, fugindo em direção às fronteiras, perseguidos sem piedade. Despojados de tudo, mas não esquecendo as chaves, murmurando, chorando: havemos de voltar.
Mais de meio século volvido ainda não regressaram, as chaves passaram para os filhos e depois para os netos, mas a ideia persiste: havemos de voltar.
Imaginemos que esta catástrofe, esta Nakba, acontecia connosco, que nos expulsavam de Portugal, das nossas casas. Como reagiríamos?
Os palestinos reconheceram o Estado de Israel, mesmo grupos como o Hamas reconhecem Israel, mas Israel recusa-se a reconhecer o Estado da Palestina, encerra os palestinos em guetos como Gaza, impede os seus movimentos, bombardeia sistematicamente campos de refugiados matando crianças, continua a expulsá-los das suas casas e a colonizar os territórios ocupados.
Vimos recentemente Israel a vacinar toda a população a grande velocidade, ao mesmo tempo que impedia e negava a distribuição de vacinas aos palestinos.
Vemos Gaza bombardeada, vemos as crianças mortas, vemos as terras confiscadas, vemos os refugiados palestinos em campos por todo o Médio Oriente, mais de cinco milhões de pessoas, muitos já nasceram, viveram e morreram em campos sem condições, mas a comunidade internacional persiste em não intervir, em falar em conflito, quando se trata de ocupação, de agressão e do legítimo direito de resistência.
Até quando? As chaves continuam guardadas porque a esperança não morre.
A Nakba é assinalada todos os anos em todo o mundo no dia 15 de Maio.