No aparelho de televisão lá de casa vê-se cada vez menos... televisão. Tirando noticiários e desenhos animados, o tempo que passamos em frente ao televisor é, sobretudo, a assistir a filmes e séries de plataformas de streaming ou a explorar o YouTube, que têm uma oferta e abrangência de temas um zilião de vezes superior ao que os canais de televisão disponibilizam.
Tanto no streaming como na rede social, muitas das escolhas que fazemos estão ligadas a um algoritmo que mede a cada segundo as nossas preferências, mas no caso do YouTube esse controlo do que nos é disponibilizado é bastante mais agressivo. É verdade que podem tratar-se de assuntos inócuos. Um exemplo: sou fã da NBA e, em particular, dos New York Knicks. Na temporada passada segui com atenção, no Youtube, o percurso da equipa liderada pelo talentoso Jalen Brunson até às meias-finais da Conferência Este. Eliminados pelos Indiana Pacers, passei a acompanhar mais de perto o desempenho de Luka Doncic, o maestro esloveno dos Dallas Mavericks (entretanto transferido para os Los Angeles Lakers), que só perderia na final para os campeões Boston Celtics, e o algoritmo não perdeu tempo a ajustar as sugestões que me fazia. Terminada a época, sem jogos, a NBA deixou de estar entre as minhas pesquisas e, de um momento para o outro, o desporto a que mais tinha assistido nos últimos meses no YouTube (somados todos os vídeos, terão sido dezenas de horas), pura e simplesmente evaporou-se das recomendações.
À empresa dona da plataforma e que define o algoritmo – foi comprado pela Google, que por sua vez é detida pela Alphabet – só interessa o momento, o que estamos a ver agora e o que nos vai levar a ver novo vídeo logo a seguir. As preferências que temos e construímos com o tempo nada lhe importam. O interesse é aumentar o tempo de retenção, para exibir mais anúncios comerciais. Se no basquetebol isso é pouco relevante, porque o que está em causa é uma simples preferência clubística, em política o 'jogo' é substancialmente diferente e derrapamos para terrenos pantanosos, porque o algoritmo estimula a polarização - não promove a exposição a conteúdos com pontos de vista contrários aos que pesquisamos anteriormente, o que ajudaria a formar uma opinião mais informada e menos entrincheirada em fações políticas.
Em tempo de campanha para as legislativas, é bom recordar a importância de manter a mente aberta à discussão de ideias, algo que está no âmago da democracia. Mas esta não pretende ser uma crónica sobre os perigos das redes sociais. Na verdade, um algoritmo bem treinado, sobretudo através da subscrição de canais que realmente nos acrescentem algo, além de ser uma porta aberta para bom entretenimento pode ser também um mobilizador para a aprendizagem, bastante útil para gerações mais novas cada vez mais autodidatas e capazes de tirar o maior proveito possível das novas tecnologias. E ainda ser uma fonte de inspiração. Basta estar atento.
Um dos canais que sigo há algum tempo tem por nome Itchy Boots. Criado em 2018, e já com mais de 700 vídeos publicados e 2,74 milhões de subscritores, tem como protagonista a neerlandesa Noraly Schoenmaker. Trabalhou como geóloga, a área em que se formou, mas largou o emprego, vendeu a casa e fez-se à estrada de moto, em viagens a solo por alguns dos sítios mais recônditos do planeta.
Já foi assaltada, já ficou perdida à noite no meio da selva africana, já passou fome e já foi ameaçada com armas, barrada por burocracias ou parada por avarias na moto (aquelas que não consegue resolver sozinha). Mas o que resulta destas viagens é, sobretudo, a bondade de tantas pessoas com quem Noraly se cruza no caminho, sempre prontas a ajudar ou a partilhar o que têm. São viagens longas, que já me levaram à boleia, por exemplo, às cataratas de Calandula, em Angola, e a outros locais espantosos que desconhecia.
Por estes dias, Noraly está no Iémen. Veste abaya negra e segue acompanhada por uma escolta, mas nos contactos com a população mostra o rosto. Há meninas curiosas em seu redor. Noraly traz-lhes uma novidade: uma mulher a conduzir uma moto, uma imagem rara, talvez até inédita, num país onde os direitos das mulheres estão condicionados. Nos vídeos ou no terreno, o exemplo de Noraly tem a capacidade de empoderar outras mulheres e é uma prova de que como o bom uso das redes sociais nos pode enriquecer.
Editor executivo do Diário de Notícias