Na estrada para Damasco

Publicado a

No passado Domingo, na igreja ortodoxa de Mar Elias (São Elias), um homem-bomba, antes de detonar o seu colete explosivo, abriu fogo sobre as pessoas que aí rezavam, celebrantes da Festa de Todos os Santos de Antióquia. Foi o primeiro atentado suicida em Damasco desde a queda do regime de Bashar al-Assad em 2024 e resultou em, até agora, 25 mortos e mais de meia centena de feridos. Para além do homem-bomba, que tinha coberto o rosto, outro o terá acompanhado, atirando a partir da porta da igreja antes da detonação do outro. O Ministério do Interior sírio atribui a autoria do atentado ao Daesh, embora não tenha sido ainda reivindicado.

A celebração desse Domingo nesta igreja ortodoxa não foi desprovido de significado: os santos antioquinos pertencem à primeira igreja missionária do cristianismo - foi em Antióquia que os seguidores de Jesus, fora de Jerusalém, foram apelidados pela primeira vez de cristãos. Foi de Antióquia que S. Paulo e S. Barnabé partiram para pregar o Evangelho. Considerado, a par de S. Pedro, um dos pilares da Igreja Cristã, S. Paulo teve o chamamento de Deus no caminho para Damasco. Episódio conhecido, em que ficou cego e recuperou a visão após a conversão, o local é um marco na religião cristã. Em meio aos ataques e a guerra que espoletou entre Israel e o Irão, juntando-se-lhe a participação norte-americana, praticamente foram poucas as manifestações políticas de condenação a este atentado. Começa a ser habitual, infelizmente: quando os visados são os cristãos - seja na Síria, na Nigéria, no Congo, ou França, entre outros locais - os votos de pesar e as condenações são quase tímidas, passando praticamente despercebidas na imensidão de notícias de outra ordem. Como se houvesse vítimas de primeira e vítimas de segunda categoria. Ou terceira. Há uma tendência para minorar a importância de ataques quando estes visam os cristãos. Como se uma parte da sociedade tivesse algum pudor em afirmar a sua solidariedade para com os fiéis da Igreja Católica, embora falem sempre mais alto e mencionam ataques a fiéis de outras religiões por dias consecutivos. Todos os ataques terroristas devem ser condenados. Mas não pode haver vítimas mais vítimas que outras vítimas.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

Diário de Notícias
www.dn.pt